domingo, 26 de abril de 2020

O Riso dos Ignorantes





      O que é o cômico? Muitos filósofos se impuseram essa interrogação e forneceram incontáveis respostas a ela. Para Aristóteles, a comédia seria apenas “uma imitação de caracteres inferiores”, O que inspirou em Stendhal sua visão do cômico como a mera “convulsão física produzida pela visão imprevista de nossa superioridade sobre outra pessoa qualquer”. De fato, nesta definição reside parte do sentimento de superioridade estampado no rosto de quem ri de um palhaço, por exemplo. A presença do palhaço não inspira temor, e isso torna o riso mais fácil. O palhaço é o último sujeito, diante do qual, alguém se sentiria inferiorizado. Para Schopenhauer, o cômico nasce de “um desacordo lógico entre uma ideia e seu objeto”, enquanto para Freud, o cômico seria a “percepção súbita da significação sexual sobre a forma simbólica”. Kant, por sua vez via o riso e o cômico como “a súbita redução de uma expectativa a nada”. Reação que só seria alcançada quando grande expectativa por um fim quase certo é frustrado com um desfecho inesperado. Para mim, o cômico reside em tudo que é incomum; que desconcerta as pessoas por uma troca fortuita do que é convencional por algo fora do comum. É jocosa a nossos olhos um homem vestido com folhas de bananeiras, por ser incomum um homem se vestir com folha de bananeira. Porém, não seria cômico se todos se vestissem com folhas de bananeiras. Por esta razão, se um homem do século XIII se encontrasse com um do século XXI, um riria dos modos e vestes do outro. Portanto, aqueles que são objetos de nossas gargalhadas hoje, poderão não o ser amanhã, enquanto nós, com nossos costumes e crenças supostamente superiores poderemos ser objeto das gargalhadas das gerações futuras por rirmos de um gênio.
As grandes ideias possuem essa peculiaridade, elas são objetos de chacota dos que a não compreendem. Assim aconteceu com muitos gênios que em seus tempos, tiveram suas ideias e seus nomes ridicularizados. Embora, passados algum tempo, a época que os ridicularizou acabou por ser ridicularizada. Quando Edson apresentou a ideia de termos “luz elétrica” através de lâmpadas, a proposta suscitou muitas gargalhadas. Como seria possível algo que imitasse a luz do sol, ou iluminasse nossas noites? As velas não são boas o suficiente?” Uma nota de 1878 de um Comitê do Parlamento Britânico chegou a menosprezar tanto o povo americano por conta das ideias de Edson, que dizia em um trecho: “Essa ideia pode até ser boa o suficiente para nossos amigos que vivem do outro lado do atlântico, mas é indigna da atenção de homens práticos ou científicos". Curiosamente, Edson aplicou a mesma chacota de que fora alvo a Nicola Tesla, quando este apresentou sua proposta de "correntes alternadas". O mesmo ocorrera a Carlyle que, as vésperas da sangrenta revolução francesa, alertava seus confrades em um banquete sobre os perigos das ideias de Rousseau que estavam amplamente difundidas na sociedade francesa e fazia grande número de discípulos. Os alertas de Carlyle suscitou riso entre os descentes. Algum tempo depois, alguns dos que estavam naquele banquete estariam com as cabeças fincadas em postes.

    É próprio dos ignorantes rir do que não conhece. Para o ignorante tudo que foge ao seu campo de experiência e conhecimento não é digno de atenção. Esta postura se verifica nos povos mais primitivos como os sentineleses, mas também em indivíduos que vagam pelo mundo civilizado e são completamente conformados com o pouco conhecimento que dispõe e, com essa conformidade, se fecham a tudo que os confronta. Todavia, ridicularizar o gênio sem ouvi-lo pode nos acarretar danos irreparáveis e um destino cruel. Nossa época, que julgamos tão adiantada, poderá ser objeto no futuro da mesma chacota que hoje dedicamos à épocas pretéritas. Nada é tão certo quanto isso. Se outros tempos tiveram esta sorte, por que o nosso seria dispensado?

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