sábado, 10 de novembro de 2018

A Igreja e o Sionismo



Francisco deposita flores no tumulo de Theodore Herzl

             Em 2014, o Papa Francisco esteve em Israel, e na ocasião, gestos de grande valor simbólico marcaram o encontro com os judeus. Em um momento, Francisco beijava as mãos de líderes sionistas, em outro, depositava flores no túmulo do fundador do sionismo moderno, Theodore Herzl.

               Pela primeira vez na história um Pontífice prestava tal homenagem a Herzl, e pela força dos gestos, muitos viram neles um sinal de “aprovação” da Igreja ao sionismo.

Francisco beija as mãos de líderes sionistas

No entanto, há exatos 114 anos, Theodore Herzl teve uma resposta muito diferente da Igreja às suas ideias. Em um encontro que o líder sionista teve com o papa Pio X em busca de apoio para sua luta, Pio X não fora muito complacente com suas propostas, e com palavras duras as rejeitou, como o próprio Herzl descreveu em seu diário:

Theodore Herzl

“Ontem estive com o Papa. O itinerário já era familiar, já que eu o havia refeito com Lippay várias vezes. Passadas a guarda suíça, que pareciam clérigos, e clérigos que pareciam guardas, os secretários e a corte papal. Cheguei 10 minutos mais cedo e sequer tive que esperar. Fui conduzido por numerosas salas até o Papa.
Ele me recebeu de pé, estendendo sua mão, a qual não beijei. Lippay dissera-me que o fizesse, mas não o fiz. Creio desagradei ao Papa por isso, pois todos que o visitam se ajoelham e ao menos beijam sua mão. Esse beijo causou-me muita preocupação. Alegrei-me quando, finalmente, ficou para trás no caminho.
Ele se sentou em uma poltrona, um trono para ocasiões menores. E depois, convidou-me a sentar próximo a ele, sorrindo em amigável antecipação.
Comecei:
“Agradeço Vossa Santidade pela delicadeza de me haver concedido esta audiência”.
“É um prazer,” disse ele com uma gentil desaprovação.
Pedi desculpas por meu pobre italiano, porém, ele afirmou:
“No, parla molto bene, signor Commendatore [Não, comendador, falas muito bem]”.
Pois eu havia colocado pela primeira vez – a conselho de Lippay – minha fita da Ordem de Medjidié, consequentemente, o Papa sempre se dirigia a mim como Comendador.
Ele é um grosseiro, mas bom padre de aldeia, para quem o cristianismo permanece como algo vivo, mesmo no Vaticano.
Coloquei brevemente meu pedido a ele. No entanto, possivelmente contrariado com minha recusa de lhe beijar a mão, respondeu rígida e resolutamente:
“Não... Não podemos aprovar este movimento. Não podemos impedir os judeus de irem a Jerusalém – mas nunca poderemos favorecê-lo. A terra de Jerusalém, se não foi sempre santa, foi santificada pela vida de Jesus Cristo. Eu, como chefe da Igreja, não posso dizer outra coisa. Os judeus não reconheceram Nosso Senhor, por isso não podemos reconhecer o povo judeu”.
Logo, o conflito entre Roma, representada por ele, e Jerusalém, representada por mim, estava novamente aberto.
No início, de fato, tentei ser conciliador. Recitei minha pequena nota sobre a extraterritorialização, res sacrae extra commercium [os lugares santos fora de negócio]. Não fez mais que uma impressão. Jerusalém, disse ele, não deve cair nas mãos dos judeus.
“E o estado atual, Santo Padre?”
“Eu sei, não agrada ver os turcos na posse dos Lugares Santos. Nós simplesmente temos que nos conformar com isso. Mas apoiar os judeus na conquista dos Lugares Santos, isso não podemos”.
Disse que nosso ponto de partida fora somente o sofrimento os judeus e que desejávamos evitar as questões religiosas.
“Sim, mas nós, e eu, como chefe da Igreja, não podemos fazer isso. Há duas possibilidades. Ou os judeus se agarrarão a sua fé e continuarão a esperar o Messias que, para nós, já chegou. Neste caso, eles estarão negando a divindade de Jesus e nós não podemos ajudá-los. Ou eles irão para lá sem qualquer religião e, então, muito menos ainda poderemos favorecê-los.
“A religião judaica foi o fundamento da nossa; mas ela foi substituída pelos ensinamentos de Cristo e nós não podemos lhe conceder qualquer validade. Os judeus, que deveriam ter sido os primeiros a reconhecer Jesus Cristo, não o fizeram até hoje”.
Estava na ponta da minha língua para dizer, “É o que acontece em toda família. Ninguém acredita em seus próprios parentes”, mas, pelo contrário, disse: “O terror e a perseguição podem não ter sido os melhores maios para esclarecer os judeus”.
Mas ele respondeu, e dessa vez ele foi grandioso em sua simplicidade:
“Nosso Senhor veio sem poder. Era povero [era pobre]. Veio in pace [em paz]. Ele não perseguiu ninguém, antes, foi perseguido.
Ele foi abandonado até por seus apóstolos. Somente depois ele cresceu em estatura. Foram três séculos para a Igreja desabrochar. Os judeus, portanto, tiveram tempo para reconhecer sua divindade sem qualquer pressão. Mas eles não o fizeram até hoje”.
-- “Mas, Santo Padre, os judeus estão em terríveis apuros. Não sei se Vossa Santidade tem ciência de toda a extensão dessa triste situação. Precisamos de uma terra para essas pessoas perseguidas”.
“E tem que ser Jerusalém?”
“Não estamos pedindo por Jerusalém, mas pela Palestina – apenas a terra secular”.
“Não podemos ser favoráveis a isso”.
“Vossa Santidade conhece a situação dos judeus?”
“Sim, da minha época em Mântua. Há judeus vivendo lá. E eu sempre tive boas relações com judeus. Há apenas algumas noites dois judeus estavam aqui para me visitar. No fim das contas, há outros vínculos além dos da religião: cortesia e filantropia. Isso nós não negamos aos judeus. De fato, nós também rezamos por eles: que suas mentes sejam esclarecidas. Hoje mesmo a Igreja está celebrando a festa de um incrédulo que, a caminho de Damasco, converteu-se miraculosamente à verdadeira fé. Então, se fores a Jerusalém e estabeleceres teu povo ali, teremos igrejas e padres prontos para batizar todos vós”.

 Harry Zohn (New York/London: Herzl Press, Thomas Yoseloff, 1960)

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