sábado, 23 de junho de 2018

Entrevista com Carlos Nougué


O professor Carlos Nougué atendeu ao nosso convite e concedeu uma breve entrevista ao Grupo de Estudos Alétheia. A ele nosso muito obrigado.

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Nascido no Rio de Janeiro no dia 17 de março de 1952, Carlos Nougué tem se destacado nos círculos intelectuais católicos e conservadores como um dos símbolos de um exuberante florescimento intelectual que tem se verificado nestas últimas décadas no Brasil.
Sua tradução de Dom Quixote de La Macha (de Miguel de Cervantes) lhe rendeu muitos prêmios. Além de Cervantes, Nougué já traduziu Cícero, Sto Agostinho, Sto Tomás de Áquino, G. K Chesterton, Louis Lavelle, Xavier Zubiri, e ainda é autor de inúmeros romances, e uma "Suma Gramatical da Língua Portuguesa" que tem sido um sucesso editorial. Nougué já se prepara para o lançamento de mais uma obra monumental, "Das artes do belo", cujo lançamento está previsto para julho deste ano pelas Edições Santo Tomás. E ainda estão previstas para o futuro, as seguintes obras: Suma Retórica, Da Necessidade da Física Geral Aristotélico-tomista, Suma Dialética, Da Figura do Silogismo, O Tratado dos Universais, entre outras
Além de ser um respeitado tradutor de inglês, espanhol, latim e francês, um profícuo escritor e um eloquente conferencista, Carlos Nougué tem sido um dos máximos representantes de um novo centro cultural que vem assumindo seu posto no cenário brasileiro, o Centro Dom Bosco, que de forma inevitável, nos evoca a lembrança dos áureos tempos de glória de outro centro cultural que um dia despontou na capital fluminense, e que também tinha a sua frente um respeitado intelectual, refiro-me ao Centro Dom Vital, que na figura de Gustavo Corçao tinha seu grande bastião.

ENTREVISTA

O BRASIL PERMANECEU POR DÉCADAS NUMA "INEXPLICÁVEL" CRISE INTELECTUAL, DE MODO A TER COMO MÁXIMA REFERÊNCIA ACADÊMICA NO EXTERIOR UM AUTOR DE CAPACIDADE MAIS QUE DUVIDOSA (Paulo Freire). ALGUNS, DE FORMA UM TANTO LIMITADA, VEEM A ORIGEM DESTA CRISE NOS ANOS 60, COM A ESTARRECEDORA TOMADA DOS MEIOS DE PRODUÇÃO CULTURAL PELO MARXISMO. NA SUA OPINIÃO, A GRANDE CRISE INTELECTUAL BRASILEIRA QUE LEGOU AOS NOSSOS ESTUDANTES AS PIORES COLOCAÇÕES NOS TESTES INTERNACIONAIS SE DEVE A HEGEMONIA MARXISTA NAS ESCOLAS E UNIVERSIDADES?

 CARLOS NOUGUÉ: Sem dúvida alguma, tal crise se deve à revolução. Mas a revolução é tripla: é antes de tudo liberal; depois comunista; por fim marcusiana (ou seja, o ápice da Escola de Frankfurt, que no Brasil se consolidou com Foucault). Todas desviam a educação de seu fim, a Verdade, embora a forma marcusiana seja a que mais radicalmente o faça: a liberal afasta-se de Cristo e da Igreja; a comunista, de Deus; a marcusiana, da própria natureza humana. Mas a decadência do ensino começou com a decadência da Escolástica no século XIV e XV e aprofundou-se grandemente com o tcheco Comenius (século XVI-XVII) e com o fim da Ratio Studiorum dos jesuítas. – Como se vê, considero internacional e multissecular a crise no ensino, ainda que sem dúvida no Brasil tenha chegado a níveis estupefacientes.

NOTA-SE EM SUAS CONFERÊNCIAS E OBRAS UMA GRANDE PREOCUPAÇÃO COM A QUESTÃO ESTÉTICA. POR CERTO, UMA PREOCUPAÇÃO JUSTIFICÁVEL POR CONTA DO INEXPLICÁVEL CULTO A FEIURA QUE SE VERIFICA EM NOSSA SOCIEDADE. NA SUA OPINIÃO, QUAL A CONSEQUÊNCIA DESTE DESPREZO À BELEZA NA REALIDADE SOCIAL BRASILEIRA? E COMO EDUCAR ESTETICAMENTE UM POVO QUE ABSORVEU POR DÉCADAS UMA SUBCULTURA DAS MAIS DEGRADANTES? 

CARLOS NOUGUÉ: O desprezo da beleza, se, uma vez mais, alcança níveis horrendos no Brasil, é no entanto também internacional e de origem também antiga. No século XV-XVI, pretendeu-se com o neopaganismo disjungir o bem e o belo. O barroco voltou a uni-los. Mas o neoclassicismo tornou a disjungi-los, disjunção que aumentou tanto no romantismo que então se tocou as raias do feio, o qual dominaria a mal chamada “arte” moderna (tanto na música como na pintura, etc.). É que o bem e o belo são como duas faces do mesmo. 

NÃO HÁ COMO JULGAR O PENSAMENTO DE UM AUTOR SEM CONHECER SUAS FONTES DE INSPIRAÇÃO. A ESTE RESPEITO GOSTARIAMOS DE SABER QUAIS AUTORES INFLUENCIARAM SEU PENSAMENTO E QUAIS DELES O SR. CONSIDERA ESSENCIAIS PARA A FORMAÇÃO INTELECTUAL DE SEUS LEITORES E ADMIRADORES?

CARLOS NOUGUÉ: Sem dúvida alguma, Aristóteles e Tomás de Aquino.

ALARDEIA-SE ENTRE GRUPOS CONSERVADORES A NECESSIDADE DE UMA RESTAURAÇÃO CULTURAL DO BRASIL. E MUITOS JÁ O RECONHECEM COMO UM DOS SÍMBOLOS DESTA RESTAURAÇÃO CULTURAL. O SR. VÊ SUA OBRA INSERIDA DENTRO DESTE MOVIMENTO E COMO O SR. ENCARA ESTE MOVIMENTO QUE APREGOA ESTA RESTAURAÇÃO CULTURAL? 

CARLOS NOUGUÉ: Sim, considero-me inserido nele, mas como católico. Estou estreitamente vinculado ao Centro Dom Bosco (RJ) e aos demais centros e institutos católicos que vêm surgindo no Brasil, justamente porque estou certo de que qualquer restauração civilizacional que se dê entre nós e no mundo ou será cristã e sólida, ou será efêmera e frágil.

O SR. COMO PROFUNDO CONHECEDOR DO CATOLICISMO, ASSISTIU, COMO MUITOS BRASILEIROS (COM MAIS DE 50 ANOS) UM RÁPIDO DESAPARECIMENTO DO CATOLICISMO NA SOCIEDADE BRASILEIRA E EM SEU LUGAR VIU-SE PROSPERAR UMA INFINIDADE DE SEITAS, ESPECIALMENTE AS PENTECOSTAIS.
A QUE SE DEVE TAL ENFRAQUECIMENTO DA FÉ CATÓLICA EM UM PAÍS CUJO CATOLICISMO JÁ CHEGOU A MAIS DE 90% DE SUA POPULAÇÃO?

CARLOS NOUGUÉ: Uma vez mais, a origem disto é muito antiga. Começa, no fim do século XIII, com a condenação da obra de Tomás de Aquino pelo bispo Étienne Tempier. Aprofunda-se com a hegemonia do nominalismo, com a consequente decadência da Escolástica, com o racionalismo decorrente e com o divórcio entre filosofia e ciência. E, com efeito, como a fé é virtude teologal vertida no vaso da razão, se este vaso está fendido por más doutrinas, a fé tende a escorrer por suas fendas. Foi o que se deu progressivamente (ainda que com momentos de recuperação) de Lutero aos dias de hoje, incluindo a crise evidente no seio da própria Igreja. 

QUAL O MAIOR INIMIGO DO CATOLICISMO NA ATUALIDADE: O PROTESTANTISMO, O MARXISMO OU A APOSTÁSIA DO CLERO?

CARLOS NOUGUÉ: Sem dúvida alguma, a apostasia dentro da Igreja de parte do clero e de parte dos leigos.

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