terça-feira, 24 de março de 2020

A Crise de Criatividade na Modernidade



Alexander von Humboldt (pintura a óleo de Eduard Ender, 1856) Foi um dos mais fecundos autores da modernidade. Sua produção é quase incontavel



           A educação antiga, que resumidamente tratamos aqui, possui aspectos tão extraordinários que nos surpreende ainda mais ao compará-la com a pedagogia moderna. Seus maiores representantes: Aristóteles, Platão e Sto Tomás de Áquino, eram tomados por tal criatividade que só um milagre poderia nos explicar uma produção tão vasta e profunda.
       O maior dos gênios da antiguidade (Aristóteles), lançou as bases da Lógica, Dialética, Silogística, Metafísica, Filosofia, Política, Moral, Retórica, Poética, Física, Biologia, Botânica, História, Zoologia, Meteorologia, Astronomia, Geologia, Psicologia, Medicina, Economia, Ciências Humanas e a lista vai às alturas... A sua obra é gigantesca, contando-se mais de 600 que lhe são atribuídas. A seu mestre, Platão, foram atribuídas pouco mais de 30 obras, embora, se admita que a extensão desta produção seja mais vasta. Aos mestres da Patrística, a produção literária também impressiona. Ao maior deles, Santo Agostinho, são atribuídas 113 livros, 270 cartas e cerca de 500 sermões. E ao maior dos mestres medievais, Sto Tomás de Áquino, é atribuída uma obra quase incontável, com efeitos perenes no pensamento ocidental.

         Como fora possível aos antigos desenvolver uma vida tão prodigiosa e fecunda de estudos em uma época onde até o “papel” que se utilizava para imprimir o resultado dos estudos era escasso? Eis uma pergunta que permeia este estudo sobre a grande epifânia de sabedoria que se deu na era socrática, no auge da patrística e na era medieval, e misteriosamente arrefeceu nos tempos modernos. Há controvérsias, por certo, mas tudo deve ser feito em face da conclusão lógica de que hoje colhemos as conclusões de interrogações e descobertas que se iniciaram há muitos séculos. Será que teríamos a ciência que hoje vislumbramos sem os grandes mestres da antiguidade e da Idade Média?

      À medida que os tempos avançavam e se aproximava a tão estimada modernidade, as criações intelectuais diminuíram notavelmente. Um dos últimos exemplos de elevada fecundidade intelectual no século XX, se observou no escritor inglês Gilbert Keith Chesterton que produziu  mais de 100 livros, centenas de poemas, 200 pequenos contos, 4.000 ensaios. Além deste autor, poucos no século XX e XXI chegaram próximos a esta marca. E além da grande derrocada no número das criações literárias e filosóficas, diminuiu absurdamente a qualidade destas criações. O que estaria acontecendo com a genialidade humana?
     
      Alain nos dá uma pista para esta crise de criatividade: “O homem só conta com aquilo que ele consegue por si de acordo com o método severo, e os que recusam o método severo nunca valerão nada” (Considerações sobre a educação) Em outras, palavras, o autor francês quer nos dizer que o excesso de facilidades que dispomos na era tecnológica estagna a potência criativa. Alguns que chegaram ao ponto de renegar a capacidade de dedução lógica, exigirão de imediato uma prova mais concreta do que falo. Evidentemente, eles são incapaz de fazer um exame mais apurado da questão por mera observação ou negam essa possibilidade de conhecimento. Mas, pensamos, essas notas poderão ser objetos de reflexões mais profundas posteriormente. 

       Em suma é notável que o progresso parece conter este paradoxo, à medida que ele avança, mais os esforços reflexivos e calculistas do homem diminuem. Ou seja, o preço do progresso é um certo regresso do homem.
A calculadora nos dispensou da tarefa de calcular; os computadores dispensaram o conhecimento da gramática na escrita e até do esforço e acuidade na pesquisa; as máquinas fotográficas tornaram banal a pintura realista; as máquinas começaram a diminuir os esforços braçais do homem e tendem a diminuir qualquer esforço intelectual também. Mas, e depois? Quando houver uma máquina que não só calcule e escreva, mas pense e decida pelo homem? Seria esse o objetivo final do progresso: a regressão do homem e perda de sua autonomia para a máquina? Se ele já não sabe calcular porque uma máquina calcula por ele; não sabe escrever porque uma máquina escreve por ele... E quando não souber mais pensar porque uma máquina pensa por ele? Houve um tempo em que o homem calculava, escrevia e pensava a partir de seus próprios esforços, sem legar essas atividades à uma máquina. Por certo, neste tempo, o homem era um pouco mais racional. Todavia, não se entenda que estou negando o valor das máquinas, estou, simplesmente, questionando se os benefícios compensam as perdas.  


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