Lord
Acton
A
NACIONALIDADE
Tradução: Erick Ferreira
Título Original:
NATIONALITY
Home and foreign Review, July 1862
Públicado pela MacMillian and Co., Limited
San
Martin’s Street, London, 1919
A
INCRÍVEL ATUALIDADE DE LORD ACTON
Por
Erick Ferreira
Nenhum
daqueles que se propõe a discutir a questão do nacionalismo pode ignorar o nome
de Lord Acton. Este intelectual inglês que viveu entre dois séculos (o XIX e o
XX) pôde entender como poucos os problemas políticos que afligiam sua época e
as implicações futuras que eles acarretariam. Denunciou com denodo as
injustiças fragrantes cometidas pelas grandes potências no Congresso de Viena,
que após a queda de Napoleão, se comprometeram a reorganizar a geopolítica europeia,
e nesta empreitada, cometeram grandes injustiças como, a cruel divisão do
território polonês entre os vencedores. Mas Acton, além de suas denuncias,
apontou os pontos fracos e fortes dos mais esplendorosos impérios da época: o
austro-hungaro e o britânico. E apontou a fragilidade das previsões dos
estadistas perante os rumos sempre incertos e imprevisíveis da história.
A
sociedade da época não imaginava que naquele ensaio publicados por um velho lord inglês, estariam os temas
fundamentais dos dois maiores conflitos bélicos da história: a I Guerra Mundial
e a II Guerra Mundial. Em algumas palavras, temos a antecipação dos conflitos
mundiais, e ainda uma sutil previsão dos horrores do nazismo. Em um trecho, ele
escreve:
A maior adversária dos direitos de nacionalidade é a moderna teoria da nacionalidade. Ao fazer o Estado e a nação coincidirem uma com a outra em teoria, se reduz praticamente à condição de sujeito todas as outras nacionalidades que podem existir dentro das fronteiras. Não se pode admiti-los a uma igualdade com o líder da nação que constitui o Estado, porque o Estado deixaria, então, de ser nacional, o que seria uma contradição do princípio da sua existência. Portanto, de acordo com o grau de humanidade e civilização que existe no corpo dominante que reivindica todos os direitos da comunidade, as raças inferiores são exterminadas, ou reduzidas à servidão; colocadas fora da lei ou deixadas em condição de dependência.
Acton,
conforme se diz, era um homem a frente do seu tempo, e quem sabe... Até a
frente dos nossos. Portanto, lê-lo é uma forma de proteção contra velhos erros.
O leitor, naturalmente, se incomodará, em certas partes, com uma visão
anticlerical, em outras, antinacionalista e antimonárquica, mas no geral, ficai
com o bom e velho conselho de São Paulo: “examinai todas as coisas, e ficai com
o que é bom” (I Tess 5, 21).
A
NACIONALIDADE
Por
John Emerich Edward Dalberg-Actn, primeiro barão Acton
Todas
as vezes que um grande cultivo intelectual foi combinado com aquele sofrimento que
é inseparável das extensivas mudanças na condição dos povos, homens de gênio
especulativo ou imaginativo buscaram na contemplação de uma sociedade ideal um
remédio, ou pelo menos, uma consolação para os males que eles foram
praticamente incapazes de remover. A poesia sempre preservou a ideia, que em
algum tempo ou lugar distante, em ilhas ocidentais ou região arcadiana, um povo
inocente e satisfeito, livre da corrupção e repressão da vida civilizada,
realizaram a lenda da idade de ouro.
O
oficio do poeta é quase o mesmo e há pouca variação nas feições do seu mundo
ideal; mas quando os filósofos tentam admoestar ou reformar a humanidade
inventando um estado imaginário, seu motivo é mais definido e imediato e sua
riqueza comum é uma sátira, assim como um modelo. Platão e Plotino, More e
Campanella, construíram suas sociedades fantásticas com aqueles materiais que
foram omitidos da fábrica das comunidades atuais; pelos defeitos dos quais elas
foram inspirados. A República, a Utopia, e a Cidade do Sol foram os protestos contra um estado de coisas que a
experiência de seus autores ensinou a condenar e de cujas falhas se refugiaram nos
extremos opostos.
Eles
permaneceram sem influencia, e nunca passaram da literatura para a história
política, porque algo a mais, além da ingenuidade descontente e especulativa, é
necessária para investir em uma ideia política com poder sobre as massas da
humanidade. O esquema de um filósofo só pode exigir a fidelidade prática de
fanáticos, não de nações; e embora a opressão possa culminar em surtos
violentos e repetitivos como as convulsões de um homem com dor, ela não pode
amadurecer um plano de regeneração e um propósito conclusivo ao menos que uma
nova noção de felicidade se una ao sentido do mal presente.
A história da religião nos fornece uma
ilustração completa a este respeito. Entre as seitas do final da Idade Média e
o protestantismo, há uma diferença essencial que tem mais importância que os
pontos de semelhança que se encontram naqueles sistemas considerados como
precursores da Reforma, e é o suficiente para explicar a vitalidade desta
última em comparação com as outras. Enquanto Wycliffe e Hus se contrapuseram a
certos ensinamentos particulares da Igreja, Lutero rejeitou a autoridade da
Igreja, e deu à consciência individual uma independência que, estava certo,
iria conduzi-la a uma resistência incessante. Há também uma diferença
semelhante entre a Revolta dos Holandeses, a Grande Rebelião, a Guerra da
Independência ou o Levante de Brabante, de um lado, e a Revolução Francesa de
outro. Antes de 1789, as insurreições eram provocadas por injustiças
particulares, e eram justificadas por queixas concretas e por um apelo a
princípios que todos os homens já conheciam. Às vezes, novas teorias se
desenvolviam no processo das controvérsias, mas elas eram acidentais, e o
grande argumento contra a tirania era a fidelidade às antigas leis. Desde a
mudança produzida pela Revolução Francesa, aquelas aspirações que eram
despertadas pelos males e defeitos do estado social atuavam como forças
enérgicas e permanentes ao longo do mundo civilizado. São forças espontâneas e
agressivas, sem necessidade de algum profeta para proclamá-las, ou de um
campeão para defendê-las; são forças populares, irracionais e quase
irresistíveis. A revolução efetuou esta mudança, por uma parte, através de suas
doutrinas, e por outra, através da influência indireta dos acontecimentos.
Ensinou o povo a considerar seus desejos e necessidades como o supremo critério
do direito. As rápidas vicissitudes do poder em que cada partido,
sucessivamente, apelou ao favor das massas como o arbítrio do sucesso,
acostumou essas massas, não somente, a serem arbitrárias, como também,
insubordinadas. A queda de muitos governos, e a frequente redistribuição dos
territórios privou a todos que estavam estabelecidos da dignidade da
permanência. A tradição e a prescrição deixaram de ser guardiães da autoridade;
e os arranjos que procederam das revoluções, dos triunfos, das guerras, e dos
tratados de paz foram igualmente desconsiderados nos direitos estabelecidos. O
dever não pode ser dissociado do direito, e as nações se recusam a ser
controladas por leis que não lhes servem de qualquer proteção.
Nesta
condição do mundo, teoria e ação seguem estreitamente unidas, e os males
práticos facilmente podem dar origem a sistemas antagônicos. No domínio do
livre-arbítrio, a regularidade do progresso natural é preservada pelos
conflitos dos extremos. O impulso da reação arrasta os homens de uma
extremidade a outra. A busca de um objetivo ideal e remoto que cative a
imaginação por seu esplendor e a razão por sua simplicidade, evoca uma energia
que não seria inspirada por um fim racional e possível, limitado por muitas
pretensões antagônicas e reduzido ao que é racional, praticável e justo. Um
excesso ou exagero é a correção de outro, e o erro promove a verdade onde as
massas são tratadas pelo contrapeso de um erro contrário. Poucos não tem força para realizar grandes
mudanças sem ajuda; e muitos não tem sabedoria para ser movidos pela verdade
pura. Onde as doenças são várias, nenhum remédio particular pode satisfazer
as necessidades de todos. Somente a atração de uma ideia abstrata ou de um
estado ideal podem unir em uma ação comum, multidões que buscam uma cura
universal para muitos males especiais, e uma restauração comum aplicável a
muitas situações diferentes. Por isso, falsos princípios que correspondem às
más aspirações, assim como às aspirações justas da humanidade, são um elemento
normal e necessário na vida social das nações.
Teorias
deste tipo são justas, na medida em que sejam provocadas por uns problemas bem
concretos e se proponham a eliminá-los; e são uteis desde que se oponham, como
um aviso ou uma ameaça, para modificar as coisas existentes e conservar
desperta a consciência do injusto. Elas não podem servir de base para a
construção de uma sociedade ideal, assim como a medicina não pode servir de
alimento; mas elas podem influenciar com vantagem, porque elas apontam a
direção, embora, não na medida em que a reforma é necessária. Opõe-se uma ordem
de coisas que é o resultado de um abuso egoísta e violento do poder pelas
classes dominantes, e de uma restrição artificial sobre o progresso natural do
mundo, desprovido de um elemento ideal ou um propósito moral. Extremos práticos
diferem dos extremos teóricos que aqueles provocam, porque os primeiros são
arbitrários e violentos, enquanto os últimos – embora também sejam
revolucionários –, ao mesmo tempo, trazem algum remédio. Em um caso, o erro é
voluntário, no outro, é inevitável. Este é o caráter geral da luta entre a
ordem existente e as teorias subversivas que negam sua legitimidade. Existem
três teorias principais deste tipo que impugnam a atual distribuição de poder,
da propriedade e do território, e atacam respectivamente a aristocracia, a
classe média e a soberania. São as teorias da igualdade, o comunismo e a nacionalidade.
Embora tenham surgido de uma origem comum, ao oporem-se aos males congêneres, e
se conectarem por muitas relações, não apareceram simultaneamente. Rousseau
proclamou a primeira, Babeuf a segunda, e Mazzini a terceira. A terceira é mais
recente em sua aparição, mais atraente ao nosso tempo e a mais rica em
promessas para o poder no futuro.
No
velho sistema europeu, os direitos de nacionalidades nem eram reconhecidos por
governos, nem reivindicados pelo povo. O interesse das famílias reinantes – não
aqueles das nações –, regulavam as fronteiras; e a administração era conduzida
geralmente sem qualquer referência aos desejos populares. Onde todas as
liberdades estavam suprimidas, as reivindicações de independência nacional eram
necessariamente ignoradas, e uma princesa, nas palavras de Fénelon, carregava
uma monarquia como seu dote de casamento. Durante o século XVIII, os direitos
corporativos foram esquecidos no Continente, pois os absolutistas se
preocupavam somente com o Estado, e os liberais só com o indivíduo. A Igreja,
os nobres, e a nação não tinham lugar nas teorias populares da época e não
planejavam nada para sua própria defesa, já que não eram atacados abertamente.
A Aristocracia conservava seus privilégios, e a Igreja sua propriedade; e o
interesse dinástico, que se sobrepunha a inclinação natural das nações e
destruía sua independência, conservava sua integridade. O sentimento nacional
não era ferido em sua parte mais sensível. Despojar um soberano de sua coroa
hereditária e anexar seus domínios seria considerado uma injuria a todas as
monarquias e forneceria a seus súditos um exemplo perigoso, posto que era
privar a realeza de seu caráter inviolável. Em tempo de guerra, como não havia
nenhuma causa nacional em jogo, não havia motivo para que surgisse um
sentimento nacional. A cortesia dos governantes em relações aos outros era
proporcional ao desprezo às classes inferiores. Não havia animosidade, nem
paixão na troca de cumprimentos entre os generais de exércitos inimigos; as
batalhas eram travadas com a pompa e o orgulho de um desfile. A arte da guerra
tornava-se um jogo lento e erudito. As monarquias estavam unidas não só por uma
comunhão de interesses, mas por alianças familiares. Um casamento contraído, às
vezes, se tornava o sinal para uma guerra interminável, mesmo que, as relações
familiares impusessem uma barreira à ambição. Depois que as guerras de
religiões chegaram ao fim em 1648, as únicas guerras que restaram eram aquelas
travadas por uma herança ou uma posse, ou contra os países cujo sistema de
governo se dispensava da lei comum dos estados dinásticos, e os tornavam não só
desprotegidos, mas também odiosos. Estes países eram Inglaterra e Holanda; até
que a Holanda deixou de ser uma República, e até que a derrota dos jacobinos em
1745 na Inglaterra, encerrou a disputa pela coroa. Havia um país, entretanto,
que ainda continuava a ser uma exceção; um monarca cujo lugar não era admitido
nas reuniões dos reis.
A
Polônia não possuía aquela segurança e estabilidade que eram proporcionadas
pelas relações dinásticas e a teoria da legitimidade onde quer que uma coroa
pudesse ser obtida por um casamento ou uma herança. Um monarca sem sangue real,
uma coroa outorgada pela nação, eram uma anomalia ou um ultraje naquela época
de absolutismo dinástico. O país estava excluído do sistema europeu pela
natureza de suas instituições. Isso excitou uma cobiça que não seria
satisfeita, e não dava as famílias reinantes da Europa nenhuma esperança de
aumentar seu poder de modo permanente por casamentos com seus governantes, ou
de obter sua coroa por doação ou por herança. Os Habsburgos disputavam a posse
da Espanha e das Índias com os Bourbons da França; da Itália com os Bourbons da
Espanha; do Império com a Casa de Wittelsbach; da Silésia com a Casa de
Hohenzollern. Havia guerras entre casas rivais na metade dos territórios da
Itália e Alemanha. Mas nada se poderia esperar para compensar suas perdas ou
aumentar seus poderes em um país ao qual nenhum matrimônio, nem a heranças lhes
dava título algum. Como não podiam tomar como herança, se esforçavam mediante
intrigas, a prevalecer em cada eleição, e depois de haver lutado pelo apoio dos
candidatos que eram de seu acordo, os vizinhos ao fim, prepararam um
instrumento para a demolição final do Estado Polonês. Até então nenhuma nação
havia sido privada de sua existência política pelas potencias cristãs, e ainda
que houvesse passado por cima dos interesses e simpatias nacionais, sempre
haviam tido cuidado de ocultar a injustiça mediante uma perversão hipócrita da
lei. Mas a repartição da Polônia foi um ato de violência desmedida, cometida em
desafio aberto não só do sentimento popular, mas também do direito público.
Pela primeira vez na história moderna um grande Estado era suprimido, e toda
uma nação dividida entre seus inimigos.
Esta
famosa medida, foi o ato mais revolucionário do velho absolutismo, despertando
a teoria da nacionalidade na Europa, e convertendo um direito latente em uma
aspiração; e um sentimento em uma reivindicação política. “Nenhum sábio ou
honesto, escreveu Edmund Burke, pode aprovar essa repartição ou pode
contemplá-la sem prever um grande dano para todos os países em algum tempo
futuro” (Observations on the conduct of
the minority, Works, v. 112). E a partir de então, passou a existir uma
nação que desejava se unir a um Estado; uma alma, por assim dizer, vagando em
busca de um corpo no qual possa começar a viver de novo; e, pela primeira vez,
se ouviu o grito de que a estrutura dos Estados era injusta, que seus limites
eram artificiais, e que todo um povo estava privado de seu direito a constituir
uma comunidade independente. Antes que essa pretensão pudesse ser
eficientemente afirmada contra o poder esmagador de seus oponentes – antes que ela ganhasse força, após a última
repartição, para superar a influencia de hábitos duradouros de submissão e do
desprestigio que as desordens prévias haviam trazido sobre a Polônia –, o velho
sistema europeu estava em ruínas e um novo mundo estava surgindo em seu lugar.
A
antiga política despótica que converteu os polacos em uma presa fácil tinha
dois adversários: o espírito de liberdade inglês e as doutrinas daquela
revolução que destruiu a monarquia francesa com suas próprias armas. E esses
dois contradizem por vias opostas a teoria de que as nações não tem direitos
coletivos. No momento presente, a teoria da nacionalidade não só é a auxiliar
mais poderosa da revolução, como também o núcleo mais dinâmico nos movimentos
dos últimos anos. Esta, entretanto, é uma aliança recente, desconhecida à
primeira Revolução Francesa. A teoria moderna da nacionalidade surgiu, por uma
parte, como uma legitima consequência da Revolução, e por outra, como uma
reação contra ela. Como o sistema que colocava de lado as divisões nacionais se
opôs ao liberalismo de duas formas, a francesa e a inglesa, assim o sistema que
insistia sobre eles procede de duas fontes distintas, e exibe seu caráter tanto
em 1688 como em 1789. Quando o povo francês aboliu as autoridades sob as quais
vivia e se converteu em seu próprio dono, a França estava em perigo de
dissolução, pois a vontade comum é difícil de destruir e não se forma facilmente.
“As leis – disse Vergniaud no debate sobre o juízo do rei – são obrigatórias
somente como vontade presuntiva do povo, o qual conserva o direito de aprová-las
ou reprová-las”. No instante em que o povo manifesta o seu desejo, a obra da
representação nacional, a lei, tem que desaparecer. Esta doutrina dissolveu a
sociedade em seus elementos naturais e ameaçou romper-se no país em tantas
repúblicas quanto em comunas. Pois o verdadeiro republicanismo é o princípio do
autogoverno no conjunto, no todo e nas partes. Em um país extenso, isto pode
prevalecer só através da união de várias comunidades independentes em uma única
confederação, como na Grécia, Suíça, Holanda e na América, de modo que uma
grande República que não esteja fundada no princípio do federalismo viria a
acabar sob o governo de uma única cidade, como Roma e Paris, e em grau
inferior, Atenas, Berna e Amsterdã. Em outras palavras, uma grande democracia tem
que sacrificar o autogoverno pela unidade, ou preservá-lo por meio do
federalismo.
A
França da história caiu junto com o Estado Francês, que era o produto do
crescimento de séculos. A velha soberania foi destruída. As autoridades locais
contemplavam tudo com aversão e pesar. A nova autoridade central necessitava
ser estabelecida sobre um novo princípio de unidade. O “Estado de Natureza”,
que era o ideal de sociedade, foi convertido em fundamento da nação; a
descendência tomou o lugar da tradição, e os franceses eram considerados como
um produto físico: uma unidade etnológica, não histórica. Assumiu-se que havia
uma unidade separada de representação e do governo, totalmente independente do
passado, e capaz de, em qualquer momento, expressar ou mudar de mentalidade.
Nas palavras de Sieyès, não era mais a França, mas um determinado país
desconhecido para o qual a nação havia sido transferida. O poder central
possuía autoridade, na medida em que, obedecia ao todo; e nenhuma divergência
do sentimento universal era permitida. Este poder, dotado de volição, foi personificado
na República Única e Indivisível. O título significava que uma parte não podia
falar ou agir pelo todo – pois havia um poder supremo sobre o Estado, distinto
e independente de seus membros; e isso expressou, pela primeira vez na
história, o conceito de uma nacionalidade abstrata. Desta forma, a ideia de
soberania do povo, não controlada pelo passado, deu origem à ideia de nacionalidade
independente da influência política da história. E nasceu da rejeição de duas
autoridades, o Estado e o passado. O reino da França era, tanto geograficamente
como politicamente, o produto de uma longa série de eventos; e os mesmos
fatores que construíram o Estado formaram o território. A revolução
rejeitou tanto os órgãos aos quais a França devia suas fronteiras, como aqueles
aos quais devia o seu governo. Cada linha apagável e cada relíquia
da história nacional foi cuidadosamente eliminada: o sistema de administração,
as divisões físicas do país, as classes sociais, corporações, pesos e medidas,
o calendário. A França não estava mais vinculada aos limites que recebera da
influência censurada de sua história; ela poderia aceitar apenas aqueles que
vieram da natureza. A definição de uma nação foi emprestada do mundo natural,
e, a fim de evitar uma perda de território, ela tornou-se não apenas abstração,
mas uma ficção.
Havia
um princípio de nacionalidade no caráter etnológico do movimento, que é a fonte
da observação comum de que a revolução é mais frequente nos países católicos
que nos protestantes. É, de fato, mais frequente no mundo latino do que no
mundo teutônico, porque depende, em parte, de um impulso nacional que só
desperta onde há um elemento estranho; o vestígio de uma dominação estrangeira
que deve ser expulsa. A Europa Ocidental sofreu duas conquistas, uma para os
romanos e outra para os germânicos, e duas vezes obedeceu as leis dos invasores.
Cada vez que ela se levantou novamente contra a raça vitoriosa; e as duas
grandes reações, embora diferem de acordo com os diferentes caracteres das duas
conquistas, têm em comum o fenômeno do imperialismo. A república romana trabalhou
para reduzir as nações subjugadas a uma massa homogênea e obediente, mas o
crescimento que a autoridade proconsular obtinha no processo, acabava
subvertendo o governo republicano, e a reação das províncias contra Roma
ajudava o estabelecimento do Império. O sistema cesariano deu uma liberdade sem
precedentes às províncias, elevando-as à igualdade civil, o que colocava fim ao
domínio de uma raça sobre a outra e uma classe sobre outra. A monarquia foi
aclamada como um refúgio do orgulho e da cupidez do povo romano; e o amor à igualdade,
ódio à nobreza e a tolerância do despotismo implantado por Roma, se tornaram,
pelo menos na Gália, a principal característica do caráter nacional. Mas entre
as nações cuja vitalidade foi destruída pela austera República, nenhum reteve
os materiais necessários para desfrutar de independência ou para desenvolver
uma nova história. A faculdade política que organiza Estados e constrói uma
sociedade dentro de uma ordem moral estava esgotada, e os doutores cristãos
buscavam em vão, sobre a vastidão das ruínas, por um povo, que com a ajuda da
Igreja, poderia sobreviver à decadência de Roma. Um novo elemento de vida
nacional foi trazido a este mundo declinado pelos inimigos que o destruíam. A
maré dos povos bárbaros inundava-os por um tempo e depois começava a diminuir,
e quando os marcos da civilização surgiam novamente, via-se que o solo havia
sido impregnado com uma influência fertilizante e regenerativa, e que a
inundação lançava os germes dos futuros Estados e de uma nova sociedade. A
energia e o sentido político vieram com o novo sangue, e exibiam no poder exercido
pela jovem raça sobre a velha, e no o estabelecimento de uma liberdade gradual.
Em vez de direitos iguais e universais, cujo desfrute efetivo, necessariamente,
era dependente de poder e proporcionado a ele, os direitos do povo eram
dependentes de uma variedade de condições, a primeira delas era a distribuição
da propriedade.
A
sociedade civil tornou-se um organismo estratificado em vez de uma combinação
composta de átomos, e o sistema feudal apareceu gradualmente. A Gália Romana
adotou por completo as ideias de autoridade, igualdade absoluta e uniforme
durante os cinco séculos entre César e Clovis, de modo que, as pessoas nunca
poderiam se reconciliar com o novo sistema. O feudalismo permaneceu uma
importação estrangeira, e a aristocracia feudal como uma raça alienígena. As pessoas
comuns da França buscaram proteção contra ambos na jurisprudência romana e no
poder da coroa. O desenvolvimento da monarquia absoluta com a ajuda da
democracia é o único caráter constante da história da França. Primeiro, poder
feudal real, e depois limitado por imunidades e os grandes vassalos, tornou-se
mais popular como mais foi feito Absoluto enquanto, a supressão da aristocracia,
a remoção das autoridades intermediárias, foi o objeto particular da nação, que
foi executado com a maior energia após a queda do trono. A monarquia, que havia
se comprometido desde o século XIII, em conter os nobres, foi finalmente
expulsa pela democracia, porque ela era muito lenta no trabalho e foi incapaz
de negar a sua própria origem, arruinando efetivamente a classe da qual havia
surgido. Todas essas coisas que constituíam o caráter peculiar da Revolução
Francesa – a demanda por igualdade, o ódio à nobreza, ao feudalismo e à Igreja
que era aliada deles; a constante referência a exemplos pagãos; a supressão da monarquia,
o novo código de lei, a ruptura com a tradição e a substituição de tudo o que
emergia da mistura e ação mútua das raças por um sistema ideal, tudo isso é uma
amostra do tipo comum de uma reação contra efeitos da invasão dos francos. O
ódio da realeza era menor que o ódio dirigido à aristocracia; os privilégios
eram mais detestados do que a tirania; e o rei pereceu mais pela origem de sua
autoridade do que por seu abuso. Na França, a monarquia, desconectada da
aristocracia, tornou-se popular, mesmo nos momentos de maior falta de controle;
pelo contrário, a tentativa de reconstruir o trono e limitá-lo e dividi-lo com
seus pares se desfez, porque os antigos elementos teutônicos nas quais ele
confiava, nobreza hereditária, primogenitura e privilégios, não eram mais
tolerados. A substância das ideias de 1789 não é a limitação do poder soberano,
mas a revogação de poderes intermediários. Esses poderes e as classes que os
apreciavam chegaram à América Latina a partir de sua origem bárbara; enquanto o
movimento que se chama liberal, é essencialmente nacional. Se a liberdade fosse
seu objetivo, seus meios seriam o estabelecimento de grandes autoridades
independentes não derivadas do Estado, e seu modelo seria a Inglaterra. Mas seu
objetivo era a igualdade; e esta busca, como na França em 1789, expeliu os elementos
de desigualdade que foram introduzidos pela raça Teutônica Este é o objetivo
que a Espanha e a Itália têm em comum com a França, e esta é a liga natural das
nações latinas.
Este elemento nacional no movimento não
foi compreendido pelos líderes revolucionários. A princípio, sua doutrina
parecia inteiramente contrária à ideia de nacionalidade. Eles ensinaram que
certos princípios gerais do governo eram absolutamente corretos em todos os
estados; e eles alegaram em teoria a liberdade irrestrita do indivíduo e a
supremacia da vontade sobre cada necessidade ou obrigação externa. Esta em
contradição aparente com a teoria nacional, que certas forças naturais devem determinar
o caráter, a forma e a Política de Estado, com a qual se coloca um tipo de destino
no lugar da liberdade. Consequentemente, o sentimento nacional não foi
desenvolvido diretamente fora da revolução em que ele estava envolvida, mas
apareceu, em primeiro lugar, em resistência a ela, quando a tentativa de emancipação
foi absorvida pelo desejo de submete-se, e a República foi sucedida pelo Império.
Napoleão trouxe um novo poder à existência, atacando a nacionalidade na Rússia,
dando-lhe rédea livre na Itália e decisão contra ela na Alemanha e na Espanha. Os
soberanos desses países foram depostos ou degradados; e um sistema de
administração, que era francês, foi introduzido em sua origem, em seu espírito
e em seus instrumentos. O povo resistiu à mudança.
O
movimento contra ele era popular e espontâneo; porque os governantes estavam alheios
ou sem apoio; e era nacional porque estava diretamente contra as instituições estrangeiras.
No Tirol, na Espanha e depois na Prússia, o povo não recebeu o impulso do governo,
mas empreendeu por sua própria iniciativa a expulsão dos exércitos e ideias da
França revolucionária. Os homens tomaram consciência do elemento nacional da revolução
através de suas conquistas, e não no momento em que ele surgiu. As três coisas
que o Império, abertamente, mais oprimiu – religião, independência nacional e
liberdade política – uniram-se em uma liga episódica para animar a grande
revolta que levou a queda de Napoleão. Sob a influência de uma daquela memorável
aliança, um espírito político apareceu no continente, que aderiu à liberdade e
odiou a revolução, e procurou restaurar, desenvolver e reformar as instituições
nacionais decadentes. Os homens que proclamaram essas ideias, Stein e Görres,
Humboldt, Müller e De Maistre, eram tão hostis ao bonapartismo quanto ao
absolutismo dos antigos governos e insistiram nos direitos nacionais que haviam
sido espezinhados igualmente por ambos, e que eles esperavam restaurar através
da destruição da supremacia francesa. Mas os amigos da revolução não tinham
simpatia pela causa que triunfou em Waterloo, pois haviam aprendido a
identificar sua doutrina com a causa da França. Os Whigs da Casa Holandesa na Inglaterra, os Frenchified (afrancesados) na Espanha, os Muratistas na Itália e os partidários da Confederação do Reno, que fundiram
o patriotismo com seus sentimentos revolucionários, lamentaram a queda do poder
francês e contemplaram com pesar as novas e desconhecidas forças que a Guerra
de Libertação havia despertado que ameaçavam tanto o liberalismo francês como à
supremacia francesa.
Mas
as novas aspirações pelos direitos populares e nacionais foram esmagados
durante a Restauração. Os liberais daqueles dias preocuparam-se com a liberdade,
não sob a forma de independência nacional, mas das instituições francesas; e
eles se uniram contra as nações com a ambição dos governos. Eles estavam
prontos para sacrificar a nacionalidade por seu ideal, como a Santa Aliança estava
para os interesses do absolutismo. Talleyrand declarou efetivamente em Viena
que a Questão Polonesa devia ter precedência sobre todas as questões, porque a
repartição da Polônia era uma das primeiras e mais importantes causas de males
que a Europa sofrera; mas os interesses dinásticos prevaleceram. Todos os
soberanos representados em Viena recuperaram seus domínios, exceto o rei de Saxônia,
que foi punida por sua lealdade a Napoleão; mas os Estados que não foram
representados nas famílias dominantes – a Polônia, Veneza e Gênova – não foram
restaurados, e até mesmo o Papa teve grande dificuldade em recuperar as Legações
das garras da Áustria. A nacionalidade, que o Antigo Regime tinha ignorado,
havia sido ultrajada pela Revolução e pelo Império, e receberam, depois de sua
primeira demonstração aberta, o golpe mais duro no Congresso de Viena. O princípio
que tinha sido gerado pela primeira repartição, para a qual a Revolução tinha
dado uma base teórica, que tinha sido fustigada pelo Império até transformar-se
em um esforço convulsivo episódico, veio a amadurecer, graças ao erro permanente
da Restauração em uma doutrina consistente, alimentada e justificada pela
situação europeia.
Os
governos da Santa Aliança dedicaram-se a suprimir com igual cuidado o espírito
revolucionário, pelo qual haviam sido ameaçados, e o espírito nacional, pelo qual
haviam sido restaurados. A Áustria, que não devia nada ao movimento nacional e que
tinha impedido a sua restauração depois de 1809, naturalmente tratou de iniciar
a sua repressão. Qualquer perturbação dos arranjos finais de 1815, qualquer aspiração
de mudanças ou reformas, era condenada como sedição. Este sistema reprimiu as
boas e as más tendências da época, e a resistência que isto provocou, durante a
geração que viveu da Restauração até a queda de Metternich, e novamente sob a
reação que começou com Schwarzenberg e terminou com as administrações de Bach e
Manteuffel, procederam das várias combinações de diferentes formas de
liberalismo. Nas fases sucessivas dessa disputa, a ideia de que as
reivindicações nacionais estão acima de todos os outros direitos, gerou gradualmente
a supremacia que agora se possuía entre os agentes revolucionários. O primeiro
movimento liberal, o dos Carbonários no sul da Europa, não tinha um caráter
especificamente nacional, e era apoiado pelos bonapartistas tanto na Espanha
como na Itália. Nos anos seguintes, as ideias opostas de 1813, vieram para o front, e começou um movimento revolucionário
em muitos pontos hostis aos princípios da Revolução, e em defesa da liberdade
nacional e religiosa. Todas essas causas foram unidas na agitação irlandesa, e
nas revoluções grega, belga e polaca. Esses sentimentos, que tinham sido
atacados por Napoleão e que se levantaram contra ele, levantaram-se contra os governos
da restauração. Eles haviam sido oprimidos pela espada e depois pelos tratados.
O princípio nacional acrescentou força, mas não justiça a esse movimento, que
em todos os casos, exceto na Polônia, foi bem sucedido. Seguiu-se um período em
que o princípio nacional degenerou em uma ideia puramente nacional, enquanto a agitação
em prol da revogação foi sucedida pela emancipação, o pan-eslavismo e o
pan-helenismo que surgiram sob os auspícios da Igreja Oriental. Esta foi a
terceira fase da resistência ao acordo de Viena, que era fraco porque não era
capaz de satisfazer as aspirações nacionais ou constitucionais, qualquer que
fosse a salvaguarda contra o outro, se não por uma justificação popular, ou
pelo menos moral. No início, em 1813, as pessoas se levantaram contra seus conquistadores
em defesa de seus governantes legítimos. Eles se recusaram a ser governados por
usurpadores. No período entre 1825 e 1831 eles decidiram não aceitar o
desgoverno de estrangeiros. A administração francesa foi muitas vezes melhor do
que a que ela deslocava, mas esta tinha pretendentes que tinham prioridade à
autoridade exercida pelos franceses, e no início a luta nacional foi uma luta
pela legitimidade. No segundo período, esse elemento estava faltando. Nenhum
dos príncipes destronados liderava os gregos, os belgas ou os poloneses. Os
turcos, os Holandeses, e os russos não foram atacados por serem usurpadores ou
por ser de uma raça diferente, mas por serem opressores, e governarem mal. Então
começou a época em que o lema era simplesmente que, as nações não deveriam mais
ser governadas por estrangeiros. O poder legitimamente obtido, e exercido com a
moderação, foi declarado inválido. Direitos nacionais, como religião, tomavam
parte nas combinações prévias e colaboravam nas lutas pela liberdade, mas agora
a nacionalidade tornava-se uma reivindicação suprema que se afirmaria por si só,
e que serviria como pretexto para os direitos dos governantes, as liberdades do
povo, e o bem da religião, mas que, se tal união não pudesse ser alcançada,
prevaleceria à custa de qualquer outra causa pela qual as nações são
sacrificadas.
Metternich
é, depois de Napoleão, o principal promotor dessa teoria; pois o caráter antinacional
da Restauração era mais distinto na Áustria, e estava em oposição ao governo
austríaco, onde a nacionalidade se tornava um sistema. Napoleão, que, confiando
em seus exércitos, e desprezava as forças morais na política, foi derrotado
pelo surgimento destes. A Áustria cometeu o mesmo fracasso no governo de suas
províncias italianas. O reino da Itália uniu toda a parte norte da península em
um único Estado, e os sentimentos nacionais, que os franceses reprimiram em
outros lugares, foram encorajados como uma salvaguarda do seu poder na Itália e
na Polônia. Quando a vitória mudou os rumos dos acontecimentos, a Áustria
invocou contra os franceses a ajuda do novo sentimento que estes tinham
encorajado. Nugent anunciou em sua proclamação aos italianos que eles deveriam se
tornar uma nação independente. O mesmo espírito serviu diferentes mestres: e contribuiu
primeiro para a destruição dos antigos Estados, depois para a expulsão dos
franceses e, novamente, sob Carlos Alberto, para uma nova revolução. E isto foi
invocado em nome dos princípios mais contraditórios do governo e serviu a todas
as partes sucessivamente, porque era um princípio em que todos poderiam se unir.
Tudo começou com um protesto contra o domínio de uma raça sobre outra raça, e sua
forma mais suave e menos desenvolvida, converteu-se na condenação de cada
Estado que incluía diferentes raças, e finalmente, tornou-se a teoria completa
e consistente de que o Estado e a nação deveriam ser mais extensos. "Em
geral, diz Mill, é uma condição necessária das instituições livres que as
fronteiras dos governos coincidam tanto quanto possível com as das nacionalidades".
O sinal do progresso histórico desta ideia advém de uma aspiração indefinida de
ser a pedra angular de um sistema político que pode ser seguido na vida do
homem que lhe deu o elemento em que reside sua força: Giuseppe Mazzini. Mazzini
encontrou o carbonarismo impotente contra os governos, e decidiu dar uma nova
vida ao movimento liberal, lhe conduzindo à terra da nacionalidade. O exílio é
a semeadora da nacionalidade, assim como a opressão é a escola do liberalismo;
e Mazzini concebeu a ideia da Itália Jovem quando estava refugiado em Marselha.
Da mesma forma que os poloneses exilados são os campeões de todo o movimento nacional,
porque para eles todos os direitos políticos são absorvidos na ideia de independência,
que, por mais que seja diferente para cada um, é a única aspiração comum a
todos eles. Para o ano de 1830, a literatura também contribuiu para a ideia
nacional. "Chegou a hora, diz Mazzini, do grande conflito entre escola
romântica e clássica, que poderia, com igual verdade, ser chamada de conflito entre
os defensores da liberdade e da autoridade." A escola romântica era pagã
na Itália e católica na Alemanha, mas em ambos tiveram o efeito comum de incentivar
a história nacional e a literatura, e Dante foi uma grande autoridade para os democratas
italianos como para os líderes do ressurgimento medieval em Viena, Munique e
Berlim. Mas nem a influência dos exilados, nem a dos poetas e críticos do novo
partido, se estendeu sobre as massas. Era uma seita sem simpatia nem força
popular, uma conspiração fundada não em uma injustiça, mas em uma doutrina. Quando
a tentativa de insurreição ocorreu em Savoia, em 1834, sob o lema de:
"Unidade, Independência, Deus e Humanidade", as pessoas permaneceram perplexas
diante de seu objetivo e indiferente ao seu fracasso. Mas Mazzini continuou sua
propaganda, desenvolveu sua Giovine
Italia (Jovem Itália) em uma Giovine
Europe (Jovem Europa), e fundou em 1847 a Liga Internacional das Nações.
"As pessoas, disse ele em seu discurso inaugural, são penetradas por uma
única ideia: unidade e nacionalidade... Não há problema internacional em
relação às formas de governo, mas apenas um problema nacional”. A revolução de
1848, mal-sucedida em seu objetivo nacional, preparou a vitória da
nacionalidade de duas maneiras. A primeira foi a restauração do poder austríaco
na Itália, com uma nova e mais enérgica centralização, que não dava esperança
de liberdade. Enquanto este sistema prevaleceu, a lei estava do lado das
aspirações nacionais, que foram revividas de uma forma mais completa e culta
por Manin. A política do governo austríaco, que falhou durante seus dez anos de
reação em sua tentativa de transformar a dominação pela força em uma dominação
pela Lei, e estabelecer junto com instituições livres a base da lealdade, deram
um impulso negativo à teoria. Isso privou Francisco José de todo apoio e
simpatia ativa em 1859, pois ele realmente estava mais errado em sua conduta do
que seus inimigos em suas doutrinas. A verdadeira causa da energia que a teoria
nacional adquiriu é, no entanto, o triunfo do princípio democrático na França e
seu reconhecimento pelas potências europeias. A teoria da nacionalidade está
envolvida na teoria democrática da soberania da vontade geral. “Dificilmente se
sabe o que qualquer divisão da raça humana teria liberdade para fazer, se não
se decidir com quais dos vários corpos coletivos de seres humanos deseja se
associar". (Stuart Mill, Considerations)
É por este ato que uma nação constitui-se. A unidade é necessária para haver
uma vontade coletiva, e a independência é a exigência para afirmá-la. Unidade e
nacionalidade são ainda mais essenciais para a noção de soberania do povo do
que a deposição dos monarcas ou a revogação das leis. Os atos arbitrários deste
tipo podem ser impedidos pela felicidade do povo ou a popularidade do rei, mas
uma nação inspirada pela ideia democrática não pode, coerentemente, permitir a
uma de suas partes, pertencer a um Estado estrangeiro, ou que o todo seja
dividido em vários Estados nativos. A teoria da nacionalidade, portanto, vem
dos dois princípios que dividem o mundo político: o da legitimidade, que ignora
sua demandas e da revolução, que as assume. Pela mesma razão, é a principal arma
do último contra o primeiro.
A
investigação do crescimento externo e visível da teoria nacional nos preparou
para um exame de seu caráter e valor político. O absolutismo que a criou, nega
igualmente que o direito absoluto da unidade nacional é um produto da
democracia, e aquela exigência por liberdade nacional pertence à teoria da
liberdade. Estas duas visões de nacionalidade, que correspondem aos sistemas inglês
e francês, estão conectados apenas pelo nome, e são na verdade, os extremos
opostos do pensamento político. Em um caso, a nacionalidade é fundada na supremacia
perpétua da vontade coletiva, da qual a unidade da nação é a condição
necessária, perante a qual, qualquer outro interesse deve ceder, e contra o
qual nenhuma obrigação goza de autoridade e toda resistência é tirânica. A
nação é, portanto, uma unidade ideal fundada na raça, em desafio as ações que
modificam causas externas, de tradição e de direitos existentes. Se sobrepõe aos direitos e desejos dos seus
habitantes, absorvendo seus interesses divergentes em uma unidade fictícia;
sacrifica suas várias inclinações e deveres à mais elevada reivindicação da
nacionalidade, e esmaga todos os direitos naturais e estabelece todas as
liberdades com o propósito de se justificar. Sempre que um objeto único e
definido se torna o fim supremo do Estado – seja a vantagem de uma classe, a segurança
ou o poder do país, a maior felicidade do maior número, ou a defesa de qualquer
ideia especulativa, o Estado inevitavelmente se torna absoluto nessa situação. Somente
a liberdade exige para sua realização a limitação da autoridade pública, já que
para a liberdade é o único objetivo que beneficia a todos igualmente e não provoca nenhuma oposição verdadeira. Em defesa
das reivindicações da unidade nacional, o governo deve ser subvertido, mesmo
que sua condição seja perfeitamente legítima e sua política benéfica e equitativa,
e os sujeitos têm que ser forçados a transferir sua fidelidade a uma autoridade
com a qual eles não têm ligação e que poderia ser praticamente uma dominação
estrangeira.
Sem
qualquer conexão com este teoria, exceto na inimizade comum ao Estado absoluto,
é a teoria que representa a nacionalidade como um elemento essencial, mas não supremo,
na determinação das formas do Estado. Isto distingue-se dos outros, porque tende
a diversidade e não à uniformidade, à harmonia e não à unidade, porque se
dirige não à uma mudança política e arbitrária, mas ao devido cuidado às condições
existentes da vida política, e porque está sujeita as leis e resultados da
história, não as aspirações de um ideal para o futuro. Enquanto a teoria da
unidade faz da nação uma fonte de despotismo e revolução, a teoria da liberdade
a considera o baluarte do autogoverno e o principal limite ao poder excessivo
do Estado. Direitos privados, que são sacrificados à unidade, são preservados
pela união das nações. Nenhum poder pode resistir tão eficientemente às
tendências de centralização, corrupção e absolutismo, como aquela comunidade
que é a mais vasta que pode ser incluída em um Estado, e que impõe aos seus
membros uma similaridade consistente de caráter, interesse e opinião, e que
restringe a ação do soberano através da influência de um patriotismo dividido. A
presença de diferentes nações sob a mesma soberania é semelhante, em seus
efeitos, a independência da Igreja do Estado. É um recurso contra o servilismo que
floresce sob a sombra de uma autoridade única, equilibrando os interesses, e
multiplicando as associações, e dando ao sujeito a moderação e o apoio de uma
opinião plural. Da mesma forma, promove também a independência através da
formação de grupos definidos da opinião pública e através da disponibilização de
uma grande fonte e centro de sentimentos políticos e noções de dever não
derivadas da vontade soberana. A liberdade promove a diversidade e a
diversidade preserva a liberdade fornecendo meios de organização. Todos estes
aspectos do Direito que governam as relações entre os homens e regulam a vida
social, são os resultados variados dos costumes nacionais e da criação da sociedade
privada. Nestas coisas, portanto, diferentes nações podem diferir umas das
outras, uma vez que foram produzidas para si e não devido ao Estado que governa
a todos. Este diversidade no mesmo Estado é uma forte barreira contra a
intromissão do governo além da esfera política que é comum a todos e contra a
sua intromissão na esfera social que está fora da legislação e é regulada por
leis espontâneas. Esse tipo de interferência é característico de um governo
absoluto, e é certo que acabará provocando uma reação e, finalmente, uma correção.
É certo que a intolerância à liberdade social, que é natural absolutismo,
encontra um corretivo nas diversidades nacionais, que nenhuma outra força
poderia fornecer de forma tão eficiente. A coexistência de diferentes nações sob
o mesmo Estado é a prova, assim como, a melhor garantia da sua liberdade. E é
também um dos principais instrumentos de civilização e, na mesma medida, dentro
da ordem natural e providencial, indica um estado mais avançado, do que a
unidade nacional, que é o ideal do liberalismo moderno.
A
combinação de diferentes nações em um Estado é uma condição da vida civilizado
tão necessária quanto a combinação de homens na sociedade. As raças inferiores
são elevadas pela coexistência, em uma união política, com raças intelectualmente
superiores. As nações exauridas e decadentes revivem ao contato com uma
vitalidade mais jovem. As nações nas quais os elementos de organização e a
capacidade do governo se perdem, seja pela influência desmoralizante do
despotismo ou pela ação desintegradora da democracia, são restauradas e educadas
novamente sob a disciplina de uma raça mais forte e menos corrupta.
Este
processo de fertilização e regeneração só pode ser obtido vivendo sob um governo.
Está no alambique do Estado onde a fusão acontece através do vigor, do
conhecimento e da capacidade de uma parte da humanidade, pode ser comunicada a
outro. Onde as fronteiras políticas e nacionais coincidem, a sociedade pára de
progredir e as nações caem em uma condição que corresponde àquela dos homens
que renunciam ao acordo com seus pares. A diferença entre os dois une a
humanidade não só pelos benefícios que dá àqueles que vivem juntos, mas porque
conecta a sociedade por um vínculo político ou nacional e dá a cada povo um interesse
em seus vizinhos, ou porque eles estão sob o mesmo governo, ou porque pertencem
à mesma raça, e assim promovem os interesses da humanidade, da civilização e
religião.
O
cristianismo está satisfeito com a mistura de raças como paganismo identifica
com suas diferenças, porque a verdade é universal e os erros são diversificada
e particular. No mundo antigo, a idolatria e a nacionalidade eram juntos, e na
Sagrada Escritura o mesmo termo se aplica a ambos. Foi missão da Igreja superar
as diferenças nacionais. O período de sua supremacia indiscutível foi aquele em
que toda a Europa Ocidental obedeceu as mesmas leis, toda a literatura foi
expressa em uma língua, a unidade política do cristianismo ela foi
personificada em uma única autoridade, e sua unidade intelectual era representado
na universidade única. Enquanto os antigos romanos completaram suas conquistas
levando os deuses do povo conquistado, Carlos Magno derrotou resistência
nacional dos saxões apenas pela destruição coerciva de seus ritos pagãos Desde
aquele período medieval e a ação combinada da raça germânica e da Igreja nasceu
um novo sistema de nações e uma nova concepção de nacionalidade A natureza foi
superada tanto na nação quanto no indivíduo.
Em
tempos pagãos e incultos, as nações distinguiam-se umas das outras pela grande
diversidade, não só na religião, mas nos costumes, linguagem e caráter. Sob a
nova lei eles tinham mais coisas em comum: as velhas barreiras que os separavam
foram removidas, e o novo princípio do governo autônomo, que a Cristandade
impôs, permitiu-lhes viver juntos sob a mesma autoridade, sem, necessariamente,
perder seus queridos hábitos, costumes ou leis. A nova ideia de liberdade abriu
espaço para diferentes raças em um único estado. Uma nação nunca mais seria o
que havia sido no mundo antigo, a descendência de um ancestral comum ou o produto
aborígene de uma determinada região – ou seja, um resultado de causas meramente
físicas e materiais –, mas um ser moral e político; não a criação de uma unidade
fisiológica ou geográfica, mas uma unidade desenvolvida no decurso da história
através da ação do Estado. Isto é, derivado do Estado, não superior a ele. Um
Estado pode, no curso do tempo, produzir uma nacionalidade, mas que uma nacionalidade
deveria constituir um Estado é contraria à natureza da civilização moderna. A
nação deriva seus direitos e seu poder da memória de uma independência
anterior.
A
Igreja, a este respeito, concordou com a tendência do progresso político, e
desencorajou, onde quer que fosse possível, o isolamento das nações; instruindo-as
sobre seus deveres mútuos e considerando a conquista e a investidura feudal
como o meio natural de criar nações barbaras ou lança-las a um nível mais
elevado. Embora, a Igreja nunca tenha atribuído a independência nacional uma
imunidade das consequências acidentais do direito feudal, das reivindicações hereditariedade
ou a arranjos testamentários, ela defende a liberdade nacional contra a
uniformidade e a centralização com uma energia inspirada na ideia da perfeita comunhão
de interesses, pois, o mesmo inimigo ameaça a ambos. E o Estado que está relutante
em tolerar diferenças e fazer justiça ao caráter peculiar de diferentes raças, deve
da mesma forma, interferir no governo interno da religião. A conexão da
liberdade religiosa com a emancipação da Polônia, ou da Irlanda, não é apenas o
resultado acidental de causas locais e o fracasso da Concordata em unir os
sujeitos austríacos, é a consequência natural de uma política que não deseja
proteger as províncias em suas diversidade e autonomia, mas procurou subornar a
Igreja com favores para reforçá-lo com a sua independência. Desta influência da
religião na história moderna uma nova definição de patriotismo nasceu.
A
diferença entre nacionalidade e Estado aparece na natureza da adesão
patriótica. Nossa conexão com a raça é meramente natural ou física, enquanto
nossos deveres para com a nação política são éticos. Uma é uma comunidade de
afetos e instintos infinitamente importantes e poderosos na vida selvagem, mas
que são mais típicos do animal do que do homem civilizado; a outra é uma autoridade
que governa com leis, que impõe obrigações, e que dá sanção e caráter moral às
relações naturais da sociedade. O patriotismo é na vida política o que é a fé
na religião, e está relacionado a sentimentos domésticos e a nostalgia do lar,
como a fé está ao
fanatismo e à superstição. Tem um aspecto derivado da vida privada e da natureza, pois é uma extensão dos sentimentos familiares, pois a tribo é uma extensão da família. Mas em seu verdadeiro caráter político, o patriotismo consiste na transformação do instinto de autopreservação em um dever moral que pode envolver auto-sacrifício. A autopreservação é tanto um instinto quanto um dever natural e involuntário, por um lado, e uma obrigação moral, por outro. Pelo primeiro, se dá origem à família; pelo segundo, ao Estado. Se a nação pudesse existir sem o Estado, sujeita apenas ao instinto de autopreservação, seria incapaz de negar, controlar ou sacrificar; seria um fim e uma norma para si. Mas na ordem política, objetivos morais são realizados e fins públicos são procurados para os quais os interesses privados e até a existência devem ser sacrificados. O grande sinal de verdadeiro patriotismo, o desenvolvimento do egoísmo para o sacrifício, é o produto da vida política. Este senso de dever que é fornecido pela raça não é completamente separado de sua base egoísta e instintiva, e o amor do país, como o amor matrimonial, baseia-se ao mesmo tempo em uma base material e em outra moral. O patriota deve distinguir entre as duas causas ou objetos de sua devoção. O apego que é dado apenas ao país é como a obediência que é dada só ao Estado: uma submissão a influências físicas. O homem que coloca seu país acima de qualquer outro dever, mostra o mesmo espírito que o homem que desiste de todos os seus direitos pelo Estado. Ambos negam que a lei é superior à autoridade. Há um país moral e político, nas palavras de Burke, diferente do geográfico, que pode, possivelmente, entrar em colisão com ele. Os franceses que pegaram em armas contra a Convenção eram tão patriotas quanto os ingleses que pegaram em armas contra o Rei Charles; pois eles reconheceram um dever superior ao da obediência ao soberano existente. "Se quisermos nos relacionar com a França, disse Burke, se tentarmos lidar com isso ou pensar em qualquer projeto relacionado a ele, é impossível querermos dizer isso à França geográfica; nós necessariamente precisamos nos dirigir ao país moral e político... A verdade é que a França está fora de si: a França moral está separada da geográfica. O senhor da casa foi expulso e os ladrões tomaram posse dela. Se procurarmos as pessoas corporativas da França, existindo como uma corporação aos olhos do direito público (por povo corporativo, quero dizer, que ele é livre para deliberar e decidir, e que ele tem a capacidade de tratar e concluir), eles estão no Flandres e na Alemanha, na Suíça, Espanha, Itália e Inglaterra. Eles são todos príncipes de sangue, são todas as ordens do Estado, todos os parlamentos do reino... tenho certeza que se metade daqueles que correspondem a esta descrição forem expulsos deste país, dificilmente haveria alguma coisa que eu poderia chamar de povo da Inglaterra”. (Remarks on the policy of the allies, works, v. 26, 29, 30) Rousseau delineia quase a mesma distinção entre o país ao qual pertencemos por acaso, e aquele que nos impõe as funções políticas do Estado. Em Emilio ele tem uma frase cujo significado não é fácil de dar uma tradução: "Qui n'a pas une patrie a du moins um paga." E em seu pequeno livro sobre Economia Política, ele escreve: "Como os homens amariam o seu país se eles não fosse nada mais do que é para os estrangeiros, e só fornecessem aquilo que não podem recusar a ninguém?" Da mesma forma ele diz um pouco depois: "La patrie ne peut subsister sans la liberté." (a pátria não pode subsistir sem a liberdade)
fanatismo e à superstição. Tem um aspecto derivado da vida privada e da natureza, pois é uma extensão dos sentimentos familiares, pois a tribo é uma extensão da família. Mas em seu verdadeiro caráter político, o patriotismo consiste na transformação do instinto de autopreservação em um dever moral que pode envolver auto-sacrifício. A autopreservação é tanto um instinto quanto um dever natural e involuntário, por um lado, e uma obrigação moral, por outro. Pelo primeiro, se dá origem à família; pelo segundo, ao Estado. Se a nação pudesse existir sem o Estado, sujeita apenas ao instinto de autopreservação, seria incapaz de negar, controlar ou sacrificar; seria um fim e uma norma para si. Mas na ordem política, objetivos morais são realizados e fins públicos são procurados para os quais os interesses privados e até a existência devem ser sacrificados. O grande sinal de verdadeiro patriotismo, o desenvolvimento do egoísmo para o sacrifício, é o produto da vida política. Este senso de dever que é fornecido pela raça não é completamente separado de sua base egoísta e instintiva, e o amor do país, como o amor matrimonial, baseia-se ao mesmo tempo em uma base material e em outra moral. O patriota deve distinguir entre as duas causas ou objetos de sua devoção. O apego que é dado apenas ao país é como a obediência que é dada só ao Estado: uma submissão a influências físicas. O homem que coloca seu país acima de qualquer outro dever, mostra o mesmo espírito que o homem que desiste de todos os seus direitos pelo Estado. Ambos negam que a lei é superior à autoridade. Há um país moral e político, nas palavras de Burke, diferente do geográfico, que pode, possivelmente, entrar em colisão com ele. Os franceses que pegaram em armas contra a Convenção eram tão patriotas quanto os ingleses que pegaram em armas contra o Rei Charles; pois eles reconheceram um dever superior ao da obediência ao soberano existente. "Se quisermos nos relacionar com a França, disse Burke, se tentarmos lidar com isso ou pensar em qualquer projeto relacionado a ele, é impossível querermos dizer isso à França geográfica; nós necessariamente precisamos nos dirigir ao país moral e político... A verdade é que a França está fora de si: a França moral está separada da geográfica. O senhor da casa foi expulso e os ladrões tomaram posse dela. Se procurarmos as pessoas corporativas da França, existindo como uma corporação aos olhos do direito público (por povo corporativo, quero dizer, que ele é livre para deliberar e decidir, e que ele tem a capacidade de tratar e concluir), eles estão no Flandres e na Alemanha, na Suíça, Espanha, Itália e Inglaterra. Eles são todos príncipes de sangue, são todas as ordens do Estado, todos os parlamentos do reino... tenho certeza que se metade daqueles que correspondem a esta descrição forem expulsos deste país, dificilmente haveria alguma coisa que eu poderia chamar de povo da Inglaterra”. (Remarks on the policy of the allies, works, v. 26, 29, 30) Rousseau delineia quase a mesma distinção entre o país ao qual pertencemos por acaso, e aquele que nos impõe as funções políticas do Estado. Em Emilio ele tem uma frase cujo significado não é fácil de dar uma tradução: "Qui n'a pas une patrie a du moins um paga." E em seu pequeno livro sobre Economia Política, ele escreve: "Como os homens amariam o seu país se eles não fosse nada mais do que é para os estrangeiros, e só fornecessem aquilo que não podem recusar a ninguém?" Da mesma forma ele diz um pouco depois: "La patrie ne peut subsister sans la liberté." (a pátria não pode subsistir sem a liberdade)
A
nacionalidade formada pelo Estado é, portanto, a única para a qual temos deveres
políticos, já que é a única que tem direitos políticos. Os suíços são etnologicamente,
como os franceses, italianos ou alemães, mas nenhuma nacionalidade possui a menor
reinvindicação sobre eles, exceto a nacionalidade puramente política da Suíça.
O estado da Toscana ou o estado napolitano formaram uma nacionalidade, mas os
cidadãos de Florença e Nápoles não têm comunidade política uns com os outros.
Existem outros estados que não conseguiram absorver as diferentes raças em uma nacionalidade
política, nem na separação de um distrito particular de uma grande nação. A
Áustria e o México são exemplos de um lado, e Parma e Baden do outro. O progresso
da civilização tem muito pouco que ver com este último tipo de Estado. A fim de
manter sua integridade, eles devem se unir através de confederações ou alianças
familiares as maiores potências e, assim, perder um pouco de sua independência.
Sua tendência é isolar e encerrar seus habitantes, estreitar o horizonte de
suas visões e encolher, até certo ponto, as dimensões de suas ideias. A opinião
pública não pode manter sua liberdade e pureza em dimensões tão pequenas, e as
questões que surgem de comunidades mais extensas se contraírem a um território
menor. Em uma população pequena e homogênea, dificilmente há espaço para uma
classificação natural de sociedade ou para grupos de interesses internos que
colocam limites ao poder soberano. O governo e os sujeitos lutam com armas
emprestadas. Os recursos de um e as aspirações do outro são derivados de alguma
fonte externa, e as consequências são que, o país se torna o instrumento e
cenário de conflitos em que ele não tem interesse. Esses estados, como as
minúsculas comunidades da Idade Média, servem a um propósito ao constituírem
distritos e garantias de autogoverno nos Estados maiores, mas são impedimentos
para o progresso da sociedade, que depende da mistura de raças sob o mesmo governo. A vaidade e o perigo das reinvindicações
nacionais que não estão fundadas sobre uma tradição política, mas apenas na raça,
aparecem no México. Lá as raças são divididas pelo sangue, sem ser agrupados em
diferentes regiões. Portanto, não é possível uni-los ou transformá-los nos
elementos de um Estado organizado. Eles são fluidos, disformes e desconectados,
e não podem ser transformados para incluí-los na base das instituições
políticas. Como eles não podem ser usados pelo Estado, nem podem ser reconhecidos
por ele; e suas qualidades peculiares, capacidades, paixões e vínculos não
valem nada e, portanto, não recebem nenhuma consideração. Eles são
necessariamente ignorados e, portanto, perpetuamente ultrajados. Desta
dificuldade de raças com pretensões políticas, mas sem posição política, o
mundo oriental refugiou-se através da instituição das castas. Onde há apenas
duas raças, o recurso à escravidão permanece; mas quando diferentes raças
habitam os diferentes territórios de um império composto de vários estados menores,
é, dentre todas as combinações possíveis, a mais favorável para o estabelecimento
de um sistema altamente desenvolvido de liberdade. Na Áustria existem duas
circunstâncias que acrescentam dificuldades ao problema, mas também aumentam sua
importância. As diferentes nacionalidades estão em graus muito diferentes de desenvolvimento
e não há uma única nação que não esteja tão disposta a sobrecarregar ou
absorver as outras. Estas são as condições necessárias para o mais elevado grau
de organização que um governo é capaz de receber. Elas fornecem a maior
variedade de recursos intelectuais; o incentivo perpétuo para o progresso, que
é o resultado, não só da concorrência, mas também do espetáculo de um povo mais
avançado; os mais abundantes elementos do autogoverno, combinados com a
impossibilidade de o Estado governar tudo de acordo com sua vontade; e a mais
completa segurança para a preservação dos costumes locais e dos direitos
antigos. Em um país como este, a liberdade alcançaria seus resultados mais
gloriosos, enquanto a centralização e o absolutismo seriam a sua destruição. A
necessidade de admitir demandas nacionais torna o problema que tem que enfrentar
o governo austríaco mais complexo do que o que já está resolvido na Inglaterra
O sistema parlamentar falha em cumpri-los, pois pressupõe a unidade do povo.
Por isso, nos países em que diferentes raças vivem juntas, o sistema
parlamentar não satisfez seus desejos e é considerado uma forma imperfeita de
liberdade. Isto expõe mais claramente do que antes as diferenças que ele não
reconhece, e assim continua o trabalho do velho absolutismo, e surge como uma
nova fase de centralização. Nesses países, portanto, o poder do Parlamento
imperial tem que ser limitado com tanto cuidado como o poder da coroa, e muitas
de suas funções devem ser transferidas para dietas provinciais e uma série
decrescente de autoridades locais.
A
grande importância da nacionalidade no Estado consiste no fato de que ela é a
base da capacidade política. O caráter de uma nação determina em grande medida
a forma e a vitalidade do Estado. Certos hábitos e ideias políticas pertencem a
nações específicas e variam de acordo com o curso da história nacional. Um povo
que emerge da barbárie; um povo decadente pelos excessos de uma civilização luxuriosa,
não possui os meios para governar a si mesma; um povo dedicado à igualdade ou a
monarquia absoluta é incapaz de produzir
uma aristocracia; um povo averso à instituição da propriedade privada está sem o
primeiro elemento da liberdade. Cada um destes pode ser convertido em membros
eficientes de uma comunidade livre somente através do contato com uma raça
superior, em cujo poder projetos futuros devem residir do Estado. Um sistema
que ignora essas coisas, e que não tem apoio no caráter e na atitude do povo,
não tem como administrar seus próprios negócios, mas simplesmente deverá ser
obediente ao comando supremo. A negação da nacionalidade, implica, portanto, na
negação da liberdade política.
A
maior adversária dos direitos de nacionalidade é a moderna teoria da nacionalidade.
Ao fazer o Estado e a nação coincidirem uma com a outra em teoria, se reduz
praticamente à condição de sujeito todas as outras nacionalidades que podem existir
dentro das fronteiras. Não se pode admiti-los a uma igualdade com o líder da nação
que constitui o Estado, porque o Estado deixaria então de ser nacional, o que
seria uma contradição do princípio da sua existência. Portanto, de acordo com o
grau de humanidade e civilização que existe no corpo dominante que reivindica
todos os direitos da comunidade, as raças inferiores são exterminadas, ou
reduzidas à servidão; colocadas fora da lei ou deixadas em condição de
dependência.
Se
tomarmos a instituição da liberdade pelo cumprimento de deveres morais como o
fim da sociedade civil, devemos concluir que aqueles estados que incluem várias
nacionalidades distintas sem oprimi-las, como os impérios britânico e
austríaco, são os estados substancialmente mais perfeitos. E aqueles em que nenhuma
mistura de raças ocorreram são imperfeitos, e aqueles em que seus efeitos têm desaparecido
estão decrépitos. Um Estado que é incapaz de satisfazer diferentes raças
condena-se; um Estado que trabalha para neutralizá-las, absorvê-las ou
expulsá-las, destrói sua própria vitalidade. Um Estado que não as inclui é
desprovido da base principal do autogoverno. A teoria da nacionalidade, portanto,
é um passo retrogrado na história. É a forma mais avançada de revolução e
tem que manter o seu poder até o final do período revolucionário, cuja proximidade
anuncia. Sua grande importância histórica depende de duas causas principais.
A
primeira é uma quimera! A institucionalização a qual ele aspira é impossível. Como
nunca pode ser satisfeito e esgotado, sempre continua a se impor, e impede que
o governo volte a cair na condição que provocou sua ascensão. O perigo é muito
ameaçador e o poder sobre a mente dos homens é grandes demais, para permitir que
qualquer sistema suporte justificar a resistência da nacionalidade. Isto deve contribuir,
portanto, para obter aquilo que na teoria se condena – a liberdade de nacionalidades
diferentes como membros de uma comunidade soberana. Esta é uma função que
nenhuma outra força poderia cumprir, já que ao mesmo tempo é um corretivo da
monarquia absoluta, da democracia e do constitucionalismo, como também da
centralização, que é comum a todos os três. Nem o sistema monárquico, nem o
revolucionário, nem o parlamentar podem fazer isso; e todas as ideias que
despertaram entusiasmo em tempos passados são
impotentes para este propósito, exceto a nacionalidade.
Segundo,
a teoria nacional marca o fim da doutrina revolucionária e sua exaustação
lógica. Ao proclamar a supremacia dos direitos de nacionalidade, o sistema de
igualdade democrática vai além de seus próprios limites e cai em contradição
consigo mesmo. Entre a fase democrática e nacional da revolução, o socialismo se
interpôs, e levou as consequências do princípio a um absurdo. Mas essa fase já
passou. A revolução sobreviveu a sua descendência, e produziu um resultado
adicional. A nacionalidade é mais avançada do que o socialismo, porque é um
sistema mais arbitrário. A teoria social se empenha em prover a existência do
indivíduo, oprimido pelos terríveis encargos que a sociedade moderna sobrecarregou
o trabalho. Não é apenas um desenvolvimento da noção de igualdade, mas um
refúgio da verdadeira miséria e da fome.
Por mais falsa que fosse a solução, era
uma exigência razoável que o homem pobre fosse salvo de destruição; e se a
liberdade do Estado fosse sacrificada pela segurança do indivíduo, o objetivo
mais imediato, pelo menos em teoria, teria sido alcançado. Mas a nacionalidade
não aspira nem a liberdade, e nem a prosperidade, ambas são sacrificadas à
necessidade imperiosa de fazer da nação o molde e a medida do Estado. Seu avanço
será marcado com ruínas materiais e morais, a fim de que uma nova invenção
possa prevalecer sobre as obras de Deus e os interesses da humanidade. Não há
princípio de mudança, nem fase de especulação política concebível mais
compreensiva, mais subversiva ou mais arbitrária do que a nacionalidade. Ela é
uma rejeição da democracia, porque coloca limites ao exercício da vontade
popular e a substitui por um princípio superior. E evita não só a divisão, mas
a extensão do Estado, e impede o fim de uma guerra com uma conquista, e obter
uma segurança em troca de paz. Logo, depois de entregar o indivíduo à vontade
coletiva, o sistema revolucionário torna a vontade coletiva sujeita as
condições que são independentes dela, e rejeita toda lei, apenas para ser controlado
por um acidente. Portanto, embora a teoria da nacionalidade seja mais absurda e
mais criminosa do que a teoria do socialismo, ela tem uma missão importante no
mundo e marca o último conflito e, portanto, o fim das duas forças que são os piores
inimigos da liberdade civil: a monarquia absoluta e a revolução.
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