O véu das virgens vestais, Raffaelle Monti |
Os gregos chamaram de apeirokália a certa enfermidade que
acometia o espírito de alguns homens que cresceram indiferentes aos influxos da
beleza. Tal enfermidade caracterizava-se pela inaptidão, ou falta de
experiência, em face do belo –– e junto com ele, como seria impossível separar,
a falta de experiência com o bem e o verdadeiro. Considerando-se que a apeirokália pode ser entendida em termos
modernos por vulgaridade –– afinal, o que é a vulgaridade senão uma falta de
experiência nas coisas belas? –– ao trazer este conceito para uma realidade
mais próxima a nós, podemos vê-la personificada na imagem típica do homem moderno:
o sujeito vulgar, cujos instintos imperam sobre a razão, com gostos mais que questionáveis,
escravo de uma moda abjeta, reduzido, de ser inabarcável a sujeito simplório,
sem mistério, sem encantos, apenas o reflexo de uma sensualidade primitiva,
cujo percurso existencial não seria nada imprevisível: procriar, envelhecer e
desaparecer sem qualquer vestígio que possa tornar sua memória de algum modo
célebre para as futuras gerações. Mas tal repertório de imposturas, como já
fora dito, é o resultado de uma total ausência de contato com a beleza no
percurso primário de formação de sua personalidade. A beleza artística que é a
sutil emanação de um fenômeno transcendente que desprende seus vultos sobre o
intelecto e as emoções dos homens e os eleva a verdadeiros píncaros de
contemplação, como nos sentimos ao ouvir a boa música de Bach, ao analisarmos a
bela pintura de Caravaggio, a poesia de Camões, a prosa de um bom filósofo, etc.
É elemento de grande importância não só para o desenvolvimento de uma personalidade
admirável e um gosto apurado, mas também, para a inclinação a escolhas virtuosas.
Se o indivíduo cresceu sem qualquer contato com a beleza que a alta cultura
pode conceder em suas diversas manifestações, como poderíamos esperar que tais
sujeitos desenvolvam um gosto apurado e sofisticado que os eleve ao bem, ao
belo e ao verdadeiro, e se esquive da infâmia moral que contamina mentes e
corações e os torna vulgares? E se estão privados de noções estéticas, como
esperar que façam uma distinção de valores entre as ações? Disso provém a crise
do mau gosto que impera em nossos dias, onde qualquer ruído sob formas falsamente
musicais pode ser apreciada sem qualquer constrangimento e inquietação; onde
toda moda pode ser incorporada ao vestuário; onde qualquer costume pode
tornar-se convenção social.
O gosto – admito –, não
se discute, mas o objeto de nosso gosto, este se discute e com paixão. É até
urgente discuti-los, descobrir a lógica que o encobre, sua essência e sua
história. Esta tem sido um das funções da Estética como matéria filosófica. Neste
sentido, o filosofo Roger Scruton, dizia que “o gosto está intimamente ligado à
nossa vida pessoal e à nossa identidade moral” (SCRUTON, p. 122) E neste
sentido, observo que se as pessoas possuem uma visão corrompida, intenções
maliciosas, e um modo obsceno de ver a realidade, dificilmente estas apreciarão
certas criações artísticas que exigem mais que a rudeza de um bárbaro, para
apreciar, mas a sensibilidade e a inteligência de um gênio civilizado. É
possível encontrar degenerados de todas as espécies que apreciem a música de
Bach, as pinturas de Caravaggio, e a poesia de Dante, mas é difícil. Em geral,
o gosto destes sujeitos será moldado pelo estilo de vida que levam e pelo uso
que fazem do intelecto.
Erick Ferreira. Uma revolução estética
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