sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

A crise do mau gosto


O véu das virgens vestais, Raffaelle Monti



                        Os gregos chamaram de apeirokália a certa enfermidade que acometia o espírito de alguns homens que cresceram indiferentes aos influxos da beleza. Tal enfermidade caracterizava-se pela inaptidão, ou falta de experiência, em face do belo –– e junto com ele, como seria impossível separar, a falta de experiência com o bem e o verdadeiro. Considerando-se que a apeirokália pode ser entendida em termos modernos por vulgaridade –– afinal, o que é a vulgaridade senão uma falta de experiência nas coisas belas? –– ao trazer este conceito para uma realidade mais próxima a nós, podemos vê-la personificada na imagem típica do homem moderno: o sujeito vulgar, cujos instintos imperam sobre a razão, com gostos mais que questionáveis, escravo de uma moda abjeta, reduzido, de ser inabarcável a sujeito simplório, sem mistério, sem encantos, apenas o reflexo de uma sensualidade primitiva, cujo percurso existencial não seria nada imprevisível: procriar, envelhecer e desaparecer sem qualquer vestígio que possa tornar sua memória de algum modo célebre para as futuras gerações. Mas tal repertório de imposturas, como já fora dito, é o resultado de uma total ausência de contato com a beleza no percurso primário de formação de sua personalidade. A beleza artística que é a sutil emanação de um fenômeno transcendente que desprende seus vultos sobre o intelecto e as emoções dos homens e os eleva a verdadeiros píncaros de contemplação, como nos sentimos ao ouvir a boa música de Bach, ao analisarmos a bela pintura de Caravaggio, a poesia de Camões, a prosa de um bom filósofo, etc. É elemento de grande importância não só para o desenvolvimento de uma personalidade admirável e um gosto apurado, mas também, para a inclinação a escolhas virtuosas. Se o indivíduo cresceu sem qualquer contato com a beleza que a alta cultura pode conceder em suas diversas manifestações, como poderíamos esperar que tais sujeitos desenvolvam um gosto apurado e sofisticado que os eleve ao bem, ao belo e ao verdadeiro, e se esquive da infâmia moral que contamina mentes e corações e os torna vulgares? E se estão privados de noções estéticas, como esperar que façam uma distinção de valores entre as ações? Disso provém a crise do mau gosto que impera em nossos dias, onde qualquer ruído sob formas falsamente musicais pode ser apreciada sem qualquer constrangimento e inquietação; onde toda moda pode ser incorporada ao vestuário; onde qualquer costume pode tornar-se convenção social.

                        O gosto – admito –, não se discute, mas o objeto de nosso gosto, este se discute e com paixão. É até urgente discuti-los, descobrir a lógica que o encobre, sua essência e sua história. Esta tem sido um das funções da Estética como matéria filosófica. Neste sentido, o filosofo Roger Scruton, dizia que “o gosto está intimamente ligado à nossa vida pessoal e à nossa identidade moral” (SCRUTON, p. 122) E neste sentido, observo que se as pessoas possuem uma visão corrompida, intenções maliciosas, e um modo obsceno de ver a realidade, dificilmente estas apreciarão certas criações artísticas que exigem mais que a rudeza de um bárbaro, para apreciar, mas a sensibilidade e a inteligência de um gênio civilizado. É possível encontrar degenerados de todas as espécies que apreciem a música de Bach, as pinturas de Caravaggio, e a poesia de Dante, mas é difícil. Em geral, o gosto destes sujeitos será moldado pelo estilo de vida que levam e pelo uso que fazem do intelecto.



Erick Ferreira. Uma revolução estética

Nenhum comentário:

Postar um comentário

REPENSANDO A FAMIGERADA POLARIZAÇÃO

  Tirinha de Caran D'Arche T enho fartas razões para crer que "a unidade em questão política é uma exceção. A polarização é a regra...