sábado, 7 de outubro de 2017

A impressionante atualidade de 1984 ou porque você precisa ler George Orwell



Cena da versão cinematográfica de 1984, dirigido por Michael Radford


          George Orwell em sua obra seminal “1984”, cunhou um termo que viria se consagrar nos meios intelectuais e se personificar com toda a fidelidade na postura e no discurso dos agentes modernos da revolução. O duplipensar, que nas palavras de Orwell, resume-se como a “habilidade que alguém possui de reter na mente, ao mesmo tempo, dois conceitos absolutamente contraditórios, e aceitá-los, ambos, como verdadeiros”. Uma característica que se tornou comum na conduta revolucionária.

Quem não se sente perplexo ao ver o deputado Jean Wyllis defender com fervor a autonomia e o direito de crianças de 9 anos de idade para “mudar de sexo”, ao mesmo tempo em que repudia veementemente a diminuição da maioridade penal, servindo-se do frágil argumento de que o infrator de 16 anos não possui consciência para responder por seus crimes. Atitude semelhante que se verifica em Marilena Chauí, a sacerdotisa mor da tertúlia marxista brasileira, que de forma visceral despejou seu ódio contra a classe média, esquecendo-se que por seu obeso salário, também faz parte dela. O mesmo comportamento que a esquerda em geral tem em face da questão do desarmamento, contra o qual, repete ad nauseam “que a liberação das armas pode aumentar o número de homicídios”. Opinião que se inverte quando se trata da liberação da maconha, neste caso, ao contrário do argumento anterior, a liberação da erva pode significar a diminuição do consumo e do tráfico. São contradições tão grotescas e escancaradas como estas que fazem do establishment nacional um correspondente fiel ao “Ministério da Verdade” [1] do romance de Orwell.

E o mais surpreendente deste turbilhão de contradições repetidas de forma incessante é que os indivíduos que o proferem, o fazem conscientemente, com a firme convicção de suas contradições.

O espetáculo mórbido de contradições no agir e no falar da intelligentsia não se trata de uma mera contradição acidental, trata-se de uma ação consciente. Cumprindo-se a risca um trecho de “1984” que diz:
Saber e não saber; ter consciência de completa veracidade ao exprimir mentiras cuidadosamente arquitetadas; defender simultaneamente duas ideias contraditória e assim, acreditar em ambas: usando a lógica contra a lógica; repudiar a moralidade em nome da moralidade”.

A esquerda tem se encontra com exatidão nestas palavras. Em suma: esta clara contradição do discurso marxista é consciente e faz parte de uma realidade autotélica, ou seja, que só faz sentido dentro daquele pequeno universo que o marxismo criou na mente de seus militantes. Isto se entendermos o marxismo como realidade independente, onde tudo gira em torno da vontade revolucionária de seus líderes. De modo que nesta cosmovisão privada, não há contradição no mundo particular do revolucionário, o que impera é a “lógica” revolucionária com suas próprias leis.
A Oceania [2], descrita no distópico romance mostra a cada dia seus sinais mais presentes em nossa sociedade, e o duplipensar cada vez mais entranhado na mentalidade das massas.
Inclusive, um dos grandes ícones do chamado marxismo ocidental, Györg Lukács, escreveu no prefácio de seu afamado “História e consciência de classe” de 1920:

Se a Fausto é permitido abrigar duas almas em seu peito, por que uma pessoa normal não pode apresentar o funcionamento simultâneo e contraditório de tendências intelectuais opostas quando muda de uma classe para outra em meio a uma crise mundial?” (LUKÁCZ, 2003, p. 4)

O pensamento de Lukács parece estar em perfeita sintonia com a sociedade distópica descrita por Orwell, e o porquê desta atitude tão desconcertante é explicado nas próprias páginas de 1984: “é somente apaziguando contradições que o poder pode ser mantido”.
Isso nos leva a concluir que o comunismo é um monstro fantástico que possui a incrível capacidade de assumir e absorver as posições mais antagônicas, sem nunca alterar sua essência ou abandonar suas pretensões.
Mas, como na trama de Orwell, dentro da nossa sociedade fragmentada pela “esquerda hegemônica”, também existem os seus Goldstein [3], que inteligentemente resolvem exceder os limites demarcados pelo “Ministério da Verdade” e sua patrulha ideológica e corajosamente transgridem os estatutos do “ingsoc” [4]. Embora, a retaliação da intelligentsia seja imediata, e como em 1984, o rosto do “ideocriminoso” [5] é exposto a vexação pública; ao ostracismo brutal. Mas nada pode reprimir o lume da verdade que ressoa de seus lábios.
São fatos como estes que fazem de “1984” mais que uma narração fictícia, mas um retrato fiel de nossa triste realidade e também do futuro que a ilusão revolucionária nos reserva.



Notas:

1. Nome fictício de um dos quatro ministérios que administravam as funções do governo em 1984. No romance, o Ministério da Verdade se ocupava das notícias (falsas), diversão, instrução, e belas artes dentro da Ocêania.
2. Ocêania é o país fictício onde transcorre o romance.
3. Emmanuel Goldstein é um dos inimigos máximos do Estado Totalitário que governa a Ocêania. "o traidor original, o primeiro a conspurcar a pureza do partido", como descreve Orwell. Por isso, seu rosto é exposto diariamente para a vexação publica, para que, alimentando o ódio cotidiano a sua imagem, torne o povo de Oceânia menos vúlneravel a sua influência.
4. Ingsoc, sigla de Socialismo Inglês. O grande partido por trás de toda a máquina estatal.
5. Ideocriminoso, aquele que comete crimes de pensamento, que cultiva ou divulga ideias contrárias a ortodoxia do partido.


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