Qualquer indivíduo comum que analisa “O Juízo Final”
(Il giudizio finale) de Michelangelo presente na Capela Sistina, se
surpreende com o fato de os mais sagrados personagens de nossa fé serem nele
representados sob a mais fria nudez. E, perplexo, tal telespectador se
interrogaria: “Como fora permitido que o sagrado fosse representado de forma
tão “despudorada”? Como pode toda essa nudez figurar no “santo dos santos”,
onde canta o canône da Missa: Lavabo inter innocentes manus meas, et
circumdabo altare tuum, Domine? O papa Clemente VII, ao chamar
Michelangelo para dar “cores e vida” à parede da Capela Sistina não pôde ver o
resultado final da obra que durou cerca de sete anos para ser concluída, mas
seu sucessor, Paulo II, a acolhera com grande entusiasmo e não vira nada de
sacrílego ou despudorado no afresco –– nem os Papas subsequentes ––, de modo a
seguirem-se mais de 40 pontificados sem que nenhum deles reprovasse aquela obra.
Todavia, 32
anos após a conclusão do Juízo Final, um pintor veneziano chamado Pedro
Veronese resolveu seguir os passos de Michelangelo e inovar na representação
das cenas sacras. Quando então finalizava sua obra mais famosa –– uma pintura
intitulada “Banquete na Casa de Levi”, destinada ao refeitório da Basílica de
São João e São Paulo ––, por volta de 1573, teve que comparecer perante o Santo
Ofício para prestar esclarecimentos sobre a “falta de decoro e irreverência” em
sua obra. Veronese ficou estarrecido e evocou no processo a aprovação do Papa
ao “Juízo Final” de Michelangelo, onde a nudez era tão friamente exposta.
“Em
Roma, dizia Veronese, na capela do Papa, Michelangelo representou Nosso Senhor,
Sua Mãe, S. João, S. Pedro e o tribunal celestial; e representou nus todos
estes personagens, incluindo a Virgem Maria, e em várias atitudes não
inspiradas no mais profundo sentimento religioso”.
Um
argumento que fora imediatamente contraposto pelo inquisidor: “Não entendes que
na representação do Juízo Final, em que é um erro supor que são usadas roupas,
não havia nenhuma razão para as pintar?” Um detalhe que fez Veronese repensar
de imediato sua obra: ela era desprovida de sentido, nascida apenas do desejo
de inovação.
Michelangelo utilizava a nudez com um sentido profundamente espiritual;
Veronese a utilizava sem qualquer razão justificável. Michelangelo representara
o homem como ele está diante de Deus, “infeliz, miserável, pobre, cego e nu!”,
conforme expressa o Apocalipse (Apoc 3, 17). E tal artifício fazia parte de uma
fabulosa tradição chamada na Renascença de nuditas. E elas
eram representadas sob quatro formas.
A
primeira delas, a nuditas naturalis, evoca a condição natural
do homem, aquela de que fala o Gênesis: “O homem e a mulher estavam nus, mas
não sentiam vergonha disso” (Gen 2, 25); e aquela nudez em que o homem deixa o
mundo, que São Paulo se refere nos seguintes termos: “Pois nada trouxemos a
este mundo, e dele nada levaremos” (I Tim 6, 7).
Isto
porque o homem não possuía a visão corrompida para ver o corpo nu como um fim
para a sua existência, um objeto a ser consumido, mas um puro reflexo do amor
de Deus, do dom criador, enfim, a condição natural do homem, que este perdeu
após sucumbir as artimanhas do demônio. Após a queda, o homem escondeu-se, pois
sentia vergonha de sua nudez. Insere-se também nesta categoria a Vênus de
Botticelli, que embora não transmita valores cristãos, reflete a realidade
primeira de todo homem.
A
segunda forma de nudez foi chamada nuditas temporalis, (nudez
temporal) que é a condição inevitável do homem, que este jamais pode fugir, e
que as roupas que cobrem sua nudez não podem desfazer, e são apenas acessórias
diante do perigo que o homem tornou-se para si mesmo, e que seu corpo não é
mais um objeto sacralizado a seus olhos, mas apenas um “corpo de morte” como
chamara S. Paulo.
O
terceiro estado humano representado na arte é a nuditas virtualis (nudez
virtual ou virtuosa) a nudez das virgens, dos anjos, representações da
inocência e da pureza. Os anjinhos barrocos são um exemplo desta nudez na arte.
Um despojamento das vaidades da vida, aquela a que faz referência como sua vida
o Pazzo d’Assisi com se seu lema: “Seguir nú, o Cristo
nú”.
E a ultima das nuditas, é a nuditas
criminalis (nudez criminosa) a do despudor, das paixões desregradas,
da condição decaída do homem. A nudez que torna a arma do homem para roubar os
olhares que são devidos exclusivamente a Deus.
O que se percebe na arte moderna é antes
uma obsessão pela veleidade, pelo lado mais baixo e repugnante da natureza
humana... Os seus excrementos. A arte moderna possui atração pela sujeira! Ela
é cacrófaga, como dizia Salvador Dalí -- cuja obra, também, não escapava da
acusação de certa veleidade. No seu ato "inovador" e transgressor, Marcel
Duchamps poderia expor, em vez de um mictório, uma colher, uma panela, uma
telha, uma mesa e tantos outros objetos que iriam chocar da mesma forma, mas
ele escolheu um mictório, reserva de dejetos humanos. Da mesma forma, Manzoni,
poderia expor latas cheias de licor, de manteiga, de saliva, mas sua escolha
foi de encontro aos excrementos fecais. Na peça “os macaquinhos”, os “artistas”
poderiam estar introduzindo o dedo em qualquer outra cavidade do corpo,
ouvidos, narinas, umbigo, boca, mas eles acharam mais conveniente enfiá-los no
ânus. Não há sentido algum, ou mesmo, utilidade, nesses atos, apenas o desejo
de chocar sem qualquer esforço razoável.
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