sábado, 23 de junho de 2018

O maior discípulo de Marx



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Esqueça Lenin, Foucault, Derrida, Lacan, et caterva, e lembre-se de Antonio Gramsci. Este pouco mencionado ideólogo italiano é, por certo, o maior pensador marxista da história. E, de certo modo, até maior que Marx.

Sozinho, o italiano reescreveu as teorias marxistas e alcançou o coração de nossa civilização. É nele que você encontrará a explicação para a hegemonia marxista de décadas em nossas universidades, escolas, imprensa, sindicatos e seminários católicos (especialmente os jesuítas)
Falecido há 79 anos, Gramsci passou seus últimos dias de vida no cárcere, o que lhe propiciou o tempo e a condição necessária para desenvolver suas ideias. O resultado desse período foram seus volumosos "Cadernos do Cárcere", onde o ideólogo italiano repensa a sociedade e a própria teoria marxista a partir de análises minuciosas da organização eclesiástica e da política maquiavélica.
Enquanto Marx via na subversão das bases econômicas de nossa sociedade o meio fundamental para modificá-la; Gramsci via nas bases culturais de nossa civilização o cerne de todos os problemas que Marx combatia. A arte, a literatura, a educação, a religião eram elementos tão importantes para a conquista do poder quanto o capital.
Assim, Gramsci reordenava em suas bases a tese marxista que via a economia (infra-estrutura) como causa da cultura e da civilização (super-estrutura). Gramsci acertara em cheio seu alvo: não era a economia que gerava a cultura, mas o inverso. Portanto, se os comunistas quisessem chegar ao poder, deveriam conquistar, primeiro, os meios de produção cultural, para depois conquistar os meios de produção do capital.
Convencidos desta tese, marxistas de todo os naipes se empenharam ardorosamente nesta tarefa: a conquista dos meios de produção cultural, ou seja: as universidades, imprensa, editoras, igrejas; enfim, todas as instituições importantes de produção e manipulação da opinião publica.


Quase 80 anos após a morte de Gramsci, suas lições foram muito bem assimilados por seus asseclas, que hoje desfrutam de controle quase total dos meios de produção cultural. A imprensa, as universidades, editoras, escolas, sindicatos e até as conferências episcopais tornaram-se caixa de ressonância do marxismo. O que os gramscistas não esperavam era que as mesmas lições que usaram para chegar ao poder, seriam usadas um dia contra eles.

Entrevista com Carlos Nougué


O professor Carlos Nougué atendeu ao nosso convite e concedeu uma breve entrevista ao Grupo de Estudos Alétheia. A ele nosso muito obrigado.

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Nascido no Rio de Janeiro no dia 17 de março de 1952, Carlos Nougué tem se destacado nos círculos intelectuais católicos e conservadores como um dos símbolos de um exuberante florescimento intelectual que tem se verificado nestas últimas décadas no Brasil.
Sua tradução de Dom Quixote de La Macha (de Miguel de Cervantes) lhe rendeu muitos prêmios. Além de Cervantes, Nougué já traduziu Cícero, Sto Agostinho, Sto Tomás de Áquino, G. K Chesterton, Louis Lavelle, Xavier Zubiri, e ainda é autor de inúmeros romances, e uma "Suma Gramatical da Língua Portuguesa" que tem sido um sucesso editorial. Nougué já se prepara para o lançamento de mais uma obra monumental, "Das artes do belo", cujo lançamento está previsto para julho deste ano pelas Edições Santo Tomás. E ainda estão previstas para o futuro, as seguintes obras: Suma Retórica, Da Necessidade da Física Geral Aristotélico-tomista, Suma Dialética, Da Figura do Silogismo, O Tratado dos Universais, entre outras
Além de ser um respeitado tradutor de inglês, espanhol, latim e francês, um profícuo escritor e um eloquente conferencista, Carlos Nougué tem sido um dos máximos representantes de um novo centro cultural que vem assumindo seu posto no cenário brasileiro, o Centro Dom Bosco, que de forma inevitável, nos evoca a lembrança dos áureos tempos de glória de outro centro cultural que um dia despontou na capital fluminense, e que também tinha a sua frente um respeitado intelectual, refiro-me ao Centro Dom Vital, que na figura de Gustavo Corçao tinha seu grande bastião.

ENTREVISTA

O BRASIL PERMANECEU POR DÉCADAS NUMA "INEXPLICÁVEL" CRISE INTELECTUAL, DE MODO A TER COMO MÁXIMA REFERÊNCIA ACADÊMICA NO EXTERIOR UM AUTOR DE CAPACIDADE MAIS QUE DUVIDOSA (Paulo Freire). ALGUNS, DE FORMA UM TANTO LIMITADA, VEEM A ORIGEM DESTA CRISE NOS ANOS 60, COM A ESTARRECEDORA TOMADA DOS MEIOS DE PRODUÇÃO CULTURAL PELO MARXISMO. NA SUA OPINIÃO, A GRANDE CRISE INTELECTUAL BRASILEIRA QUE LEGOU AOS NOSSOS ESTUDANTES AS PIORES COLOCAÇÕES NOS TESTES INTERNACIONAIS SE DEVE A HEGEMONIA MARXISTA NAS ESCOLAS E UNIVERSIDADES?

 CARLOS NOUGUÉ: Sem dúvida alguma, tal crise se deve à revolução. Mas a revolução é tripla: é antes de tudo liberal; depois comunista; por fim marcusiana (ou seja, o ápice da Escola de Frankfurt, que no Brasil se consolidou com Foucault). Todas desviam a educação de seu fim, a Verdade, embora a forma marcusiana seja a que mais radicalmente o faça: a liberal afasta-se de Cristo e da Igreja; a comunista, de Deus; a marcusiana, da própria natureza humana. Mas a decadência do ensino começou com a decadência da Escolástica no século XIV e XV e aprofundou-se grandemente com o tcheco Comenius (século XVI-XVII) e com o fim da Ratio Studiorum dos jesuítas. – Como se vê, considero internacional e multissecular a crise no ensino, ainda que sem dúvida no Brasil tenha chegado a níveis estupefacientes.

NOTA-SE EM SUAS CONFERÊNCIAS E OBRAS UMA GRANDE PREOCUPAÇÃO COM A QUESTÃO ESTÉTICA. POR CERTO, UMA PREOCUPAÇÃO JUSTIFICÁVEL POR CONTA DO INEXPLICÁVEL CULTO A FEIURA QUE SE VERIFICA EM NOSSA SOCIEDADE. NA SUA OPINIÃO, QUAL A CONSEQUÊNCIA DESTE DESPREZO À BELEZA NA REALIDADE SOCIAL BRASILEIRA? E COMO EDUCAR ESTETICAMENTE UM POVO QUE ABSORVEU POR DÉCADAS UMA SUBCULTURA DAS MAIS DEGRADANTES? 

CARLOS NOUGUÉ: O desprezo da beleza, se, uma vez mais, alcança níveis horrendos no Brasil, é no entanto também internacional e de origem também antiga. No século XV-XVI, pretendeu-se com o neopaganismo disjungir o bem e o belo. O barroco voltou a uni-los. Mas o neoclassicismo tornou a disjungi-los, disjunção que aumentou tanto no romantismo que então se tocou as raias do feio, o qual dominaria a mal chamada “arte” moderna (tanto na música como na pintura, etc.). É que o bem e o belo são como duas faces do mesmo. 

NÃO HÁ COMO JULGAR O PENSAMENTO DE UM AUTOR SEM CONHECER SUAS FONTES DE INSPIRAÇÃO. A ESTE RESPEITO GOSTARIAMOS DE SABER QUAIS AUTORES INFLUENCIARAM SEU PENSAMENTO E QUAIS DELES O SR. CONSIDERA ESSENCIAIS PARA A FORMAÇÃO INTELECTUAL DE SEUS LEITORES E ADMIRADORES?

CARLOS NOUGUÉ: Sem dúvida alguma, Aristóteles e Tomás de Aquino.

ALARDEIA-SE ENTRE GRUPOS CONSERVADORES A NECESSIDADE DE UMA RESTAURAÇÃO CULTURAL DO BRASIL. E MUITOS JÁ O RECONHECEM COMO UM DOS SÍMBOLOS DESTA RESTAURAÇÃO CULTURAL. O SR. VÊ SUA OBRA INSERIDA DENTRO DESTE MOVIMENTO E COMO O SR. ENCARA ESTE MOVIMENTO QUE APREGOA ESTA RESTAURAÇÃO CULTURAL? 

CARLOS NOUGUÉ: Sim, considero-me inserido nele, mas como católico. Estou estreitamente vinculado ao Centro Dom Bosco (RJ) e aos demais centros e institutos católicos que vêm surgindo no Brasil, justamente porque estou certo de que qualquer restauração civilizacional que se dê entre nós e no mundo ou será cristã e sólida, ou será efêmera e frágil.

O SR. COMO PROFUNDO CONHECEDOR DO CATOLICISMO, ASSISTIU, COMO MUITOS BRASILEIROS (COM MAIS DE 50 ANOS) UM RÁPIDO DESAPARECIMENTO DO CATOLICISMO NA SOCIEDADE BRASILEIRA E EM SEU LUGAR VIU-SE PROSPERAR UMA INFINIDADE DE SEITAS, ESPECIALMENTE AS PENTECOSTAIS.
A QUE SE DEVE TAL ENFRAQUECIMENTO DA FÉ CATÓLICA EM UM PAÍS CUJO CATOLICISMO JÁ CHEGOU A MAIS DE 90% DE SUA POPULAÇÃO?

CARLOS NOUGUÉ: Uma vez mais, a origem disto é muito antiga. Começa, no fim do século XIII, com a condenação da obra de Tomás de Aquino pelo bispo Étienne Tempier. Aprofunda-se com a hegemonia do nominalismo, com a consequente decadência da Escolástica, com o racionalismo decorrente e com o divórcio entre filosofia e ciência. E, com efeito, como a fé é virtude teologal vertida no vaso da razão, se este vaso está fendido por más doutrinas, a fé tende a escorrer por suas fendas. Foi o que se deu progressivamente (ainda que com momentos de recuperação) de Lutero aos dias de hoje, incluindo a crise evidente no seio da própria Igreja. 

QUAL O MAIOR INIMIGO DO CATOLICISMO NA ATUALIDADE: O PROTESTANTISMO, O MARXISMO OU A APOSTÁSIA DO CLERO?

CARLOS NOUGUÉ: Sem dúvida alguma, a apostasia dentro da Igreja de parte do clero e de parte dos leigos.

quarta-feira, 20 de junho de 2018

A escola e a era da preguiça

por Erick Ferreira

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John Millar Watt, Plato in the garden of academos, 1966


                        A escola foi concebida em suas origens como o “lugar do ócio” [1], onde os teorétikos tinham seu oásis de contemplação e criação intelectual. Este sentido etimológico da escola – intimamente ligado ao estilo de vida dos sábios da antiguidade [2] que tomaram o ócio como condictio sine qua non para a criação intelectual –, se perdeu totalmente em nossos tempos. Atualmente, o ócio, para a maioria das pessoas possui o mesmo sentido de preguiça. No entanto, em uma análise mais apurada as duas palavras se distinguem. Ócio é estar livre de preocupações desnecessárias, com a mente livre para a reflexão, enquanto a preguiça, refere-se a recusa de trabalhos físicos ou intelectuais; estar na total inércia. Portanto, o ócio a que me refiro aqui é antes uma necessidade do homem interior: estar tranquilo e despreocupado para que o intelecto possa alcançar alturas mais sublimes. Aquele mesmo ócio a que faz referência o próprio Cristo quando diz a seus apóstolos: “Considerai os lírios do campo, não trabalham, nem tecem, e no entanto, eu vos asseguro que nem Salomão em toda sua glória se vestiu como um deles” (Lucas 12, 27). O mesmo ócio que era decantado por Virgílio em suas éclogas: O Meliboe, deus nobis hoec otia fecit (Ó Melibo, um deus nos deu esta ociosidade) [3], e que dá origem a palavra: “neg-ócio”; que por sua vez é a grande engrenagem da economia. Por certo este sentido, há tempos se perdeu, e será missão hercúlea restaurá-lo.
                     De certo modo, foi para dar sentido à vida ociosa que nasceu a escola. Nela, os sábios se reuniam e produziam seu trabalho teorétiko – que para tal, exigia o ócio –, e algum tempo depois; nela (a escola), as crianças aprendiam a tirar proveito do ócio que dispunham em grau especial. Já que para o crescimento intelectual é imprescindível que a mente esteja livre de preocupações inúteis. O homem deve aprender a trabalhar primeiro com o cérebro, para depois trabalhar com as mãos ou, a pensar primeiro com as mãos, – como metaforicamente dizia Corção – para depois pensar com a cabeça.

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         É bem verdade que a ociosidade é uma condição necessária para a criação intelectual, e até mesmo, para o despontar da imprescindível inspiração que gera os grandes clássicos da humanidade, e é também verdade, que a preguiça – o estar livre de trabalhos físicos e intelectuais, como há pouco definimos –, é um grande empecilho para a vida intelectual, pois não raras vezes, dela costuma nascer as mais insanas inspirações que uma mente desorientada costuma engendrar. Um cérebro preguiçoso é, por certo, um maquinador de vícios e virtudes.  “Causa de pecados carnais e delitos de sangue”, como dizia Comênius.
                        Ao lembrarmos que a escola, em tempos remotos, deu sentido ao ócio e assim formou índoles criativas; adentramos, assim, em um grave conflito de nossa modernidade: “O que o homem fará de uma vida cada vez mais ociosa?” Engendrará através dela vícios ou virtudes? O educador italiano Domenico de Masi em Il futuro del lavoro  nos fornece um quadro interessante sobre esta questão e nos conduz a um ponto candente:
 No Primeiro Mundo, --- diz ele --- trabalham mais ou menos 20% da população. No Terceiro Mundo, os trabalhadores não chegam a dez por cento. Em suma, dos quase seis bilhões de habitantes do planeta, os considerados trabalhadores não chegam a um bilhão. Os outros cinco bilhões são crianças, velhos, pensionistas e aposentados, donas de casa que cuidam da família, jovens que estudam e pessoas que vivem em busca do que fazer para sobreviver – se pobres – ou tentando matar o tempo – se herdeiros de fortunas”.

Os dados apresentados por De Massi podem ser objetos de questionamentos, mas há que se concordar que o número de desocupados, por certo, ainda supera o de trabalhadores. E com uma classe ociosa cada vez maior, uma grande multidão vive entendiada, enquanto outra, vive extenuada a sustentá-la.
                        A escola, o eterno lugar do ócio, já não é capaz de tornar o ócio das crianças e dos adolescentes algo fecundo e útil. E nesta perspectiva, nasce uma grave preocupação: se o homem não dirigir suas aspirações interiores para o bem, elas se voltarão espontaneamente ao mal.
                        O progresso científico nos reserva tempos cada vez mais ociosos, e por conseguinte, indivíduos mais entendiados. Desta constatação, Domenico de Masi formulou a famosa expressão: “Ócio criativo”; que tende a ser uma máxima corrente de nossa época e para outros: a “partícula de soma” [4] de nossos dias. Por outro lado, se uma vasta classe ociosa se forma nas grandes metrópoles, ainda impera, em certa minoria, uma classe trabalhadora, que tende a diminuir com o avançar das mudanças e com a alienação que suas condições os coloca em face da vasta classe ociosa. Outra tendência observada, é que o conceito de trabalho tende a ser cada vez mais “pejorativado” pela maioria ociosa.
                        Embora todos estejam convencidos da necessidade imprescindível do trabalho físico, ele ainda carrega consigo sentido de encargo penoso, e na prática, é o exercício de tarefas dissipadoras, que priva a muitos da atitude mais criativa e transformadora do homem: a reflexão e o senso crítico, como gostam de acrescentar inoportunamente os marxistas. Excluindo a classe trabalhadora da “partícula redentora” de Domenico de Masi. Pensamos: como um trabalhador extenuado e dissipado por suas longas horas de trabalho poderá ter uma fecunda vida intelectual? Se esta classe não se informa, torna-se joguete da classe ociosa e bem informada a que sustenta com seu suor.
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                        Em nossos tempos já se especula o dia em que o trabalho manual seja exercido exclusivamente por máquinas, onde grandes trabalhos sejam executados em instantes com o simples toque de um botão; e neste cenário previsível, os homens desempenhariam somente atividades intelectuais, – se é que estas também não serão realizadas pelas máquinas. Já no início do século XX, o escritor inglês G. K Chesterton, observava esta estranha tendência da modernidade em seu livro Ortodoxia. Dizia ele:

“Existe o costume de nos queixarmos da correria e do árduo trabalho de nossa época. Mas na verdade, a marca principal de nossa época é uma profunda preguiça e fadiga. O fato é que a verdadeira preguiça é a causa da correria. Tomemos um caso totalmente externo: as ruas são barulhentas, cheias de táxis e carros. Mas isso não se deve à atividade humana, mas sim ao repouso. Haveria menos correria se houvesse maior atividade, se as pessoas simplesmente andassem a pé. O mundo seria mais silencioso se houvesse mais trabalho”.

De fato, esta falsa correria, na verdade é a consequência natural da inercia de homens sentados comodamente dirigindo suas máquinas, que aos poucos passou a cumprir muitas de suas funções orgânicas. A inércia parece e o desejo de se entregar a ela parece ser a força motriz do progresso. Nunca o homem desfrutou de tantas facilidades e tão pouca necessidade de força física e intelectual. Até nas guerras, já são previstas, a substituição de homens por máquinas.
                        São previsões – amedrontadoras para alguns, encantadoras para outros – que o progresso nos reserva. É o destino fatal da humanidade, assegura De Masi. E já que estamos na iminência de ver em breve a concretização de tais episódios, devemos pensar também, em como o homem viverá após a superação de grandes esforços braçais? E o que fará com uma vida que lhes exigirá poucos sacrifícios? E o que restará do homem quando a maioria de suas atividades for realizada por máquinas? Nos preparemos para pensar no advento da era da preguiça e nas suas consequências, que podem ser trágicas.

Notas:
1. do grego, σχολή, que vai dar origem ao termo latino schola, que por sua vez, vai gerar o nosso aportuguesa escola.
2. cf. Aristóteles, Metafísica, Livro I, cap. I
3. Virgilio, Écloga, I, VI
4. Comprimido que causava sensações agradáveis nos personagens da obra fictícia Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley

REPENSANDO A FAMIGERADA POLARIZAÇÃO

  Tirinha de Caran D'Arche T enho fartas razões para crer que "a unidade em questão política é uma exceção. A polarização é a regra...