domingo, 24 de março de 2019

Uma introdução ao liberalismo




INTRODUÇÃO


            Todos os autores que se lançaram na ingrata tarefa de definir o liberalismo, acabaram envolvidos em teias tão embaraçosas que, ao final da empreitada, reputaram a tarefa como impossível. Destes que reconheceram a ingratidão do tema, cabe mencionar autores de primeira grandeza como Eric Voegelin, Erik von Küehnelt Leddihn, e mesmo, liberais do porte de Mises e Hayek. Este último chegou a propor que os liberais evitassem se identificar com esse nome.
            Não havendo um consenso sobre a essência do liberalismo nem mesmo entre os liberais ─ e provas não nos faltam para tal afirmação ─, no último século, alguns eventos foram realizados entre eles para tentar chegar a um improvável consenso. Entre estes eventos, destacamos a fundação da L'entente internationale des partis radicaux et des partis democratiques similaires, de 1924 e a Internacional Liberal de Oxford, fundada em 1947, que culminou na publicação de um Manifesto. Dois eventos que mostram a mobilização entre os liberais pela definição de sua doutrina. No entanto, nem todos os liberais estavam dispostos a prestar conta de seu modo de "ser liberal" a qualquer entidade, ou mesmo, estariam dispostos a reconhecer um conjunto de princípios como parte de uma pretensa “ortodoxia liberal”. Por isso, destes eventos para cá, o liberalismo já se fragmentou em tantas partes, que tornou ainda mais embaraçoso e obsoleto pensar em uma única forma de liberalismo. E nesta complexa resistência de um liberal a se reduzir a qualquer forma de homogeneidade ou dogmatismo, identificamos, um caráter magno na essência do liberalismo: a insubmissão do indivíduo ao coletivo, mesmo que tal coletivismo venha revestido sob o embrulho de uma inexistente ortodoxia liberal. Portanto, no liberalismo, parece não haver espaço para um “órgão central”, uma “autoridade universal”, ou uma “unificação internacional”. 

O espirito liberal já nasceu insubmisso. Por essa razão, o liberalismo nunca assume uma forma fixa na história, embora, certos pilares se mostrem inalteráveis em sua composição básica, como os que identificara John Gray. 

Para este ensaísta, há três pilares que todas as formas de liberalismo compartilham entre si. São eles:

1. Individualismo: a proeminência do individual sobre o coletivo.

2. Igualitarismo: igualdade como fundamento da liberdade, e vice versa. Ficando cada um livre de vantagens desproporcionais, servindo-se apenas da posse de sua liberdade, de modo a fazer suas escolhas e seguir avante no que achar melhor.

3. Universalismo: com este princípio, o liberalismo afirma sua unidade moral

4. Meliorismo: por ver o ser humano como algo em perpétuo aperfeiçoamento e evolução. (John Gray, Liberalism, 2º ed. Minneapolis: University Minnesota Press, 2003)

Há dissenso entre os liberais entre centenas de questões, mas todos eles parecem ceder unanimemente a estes princípios, e tal adesão, é o que os torna, de fato, liberais.

O liberal brasileiro, José Guilherme Mérquior, por sua vez, identificava três elementos fundamentais na doutrina liberal clássica. 1. A teoria dos direitos humanos 2. O constitucionalismo 3. A economia clássica do laisser faire (p. 47)
Em outros pontos, além destes já notados por uma vasta gama de autores, é difícil haver consenso entre os liberais, de modo que se pode encontra-los em posições diametralmente opostas em relação a outras questões.


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            O filosofo alemão Eric Voegelin, em seu ensaio Liberalism and its history, escreveu que “a essência do liberalismo só pode ser adequadamente descrita em termos de seu confronto com outros fenômenos” (The Collected Works, Vol. 11. Universit of Missouri Press, 1953-1965, p. 84) E, de fato, não há meio mais eficaz de se fazer uma análise mais apurada deste fenômeno político-filosófico e comportamental senão da forma proposta por Voegelin.
            Todavia, observa ainda Voegelin, que, houve uma fase em que o liberalismo era facilmente identificável ─ no século XIX, segundo ele ─, e posteriormente, acabou adquirindo contornos extremamente complexos, chegando a nossa atualidade, indefinível. Por isso, o mesmo filosofo adverte aos que tentam chegar a uma definição sobre este fenômeno que contenham seu ímpeto reducionista ─ reducionista porque neste sentido, definir é limitar algo que se alargou demasiadamente ─, e contentem-se com a mera descrição deste fenômeno.
            José Guilherme Mérquior, também reconhecia na tarefa descritiva o meio mais eficaz de se chegar a um conceito de liberalismo. “É muito mais fácil ─ e muito mais sensato ─, dizia ele, descrever o liberalismo do que tentar defini-lo de maneira curta”.
            Portanto, diante de tarefa tão ingrata, o que importa saber, já não é como pensam os liberais, mas como eles não pensam! E através do recurso das analogias, contrapondo o liberalismo com seus maiores oponentes ─ o conservadorismo e o comunismo ─, e a partir do que este rejeita e compartilha destas correntes, chegaremos a um denominador comum.  É desta forma que tentarei abordar este tema de suma delicadeza.


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