Edmund Bure |
Em
Edmund Burke encontra-se a “substância filosófica” – como diz Nisbet – do
conservadorismo. O autor irlandês é considerado o maior pensador conservador de todos os tempos, de modo que, falar do conservadorismo sem ler Burke, é como falar do cristianismo e ignorar a Cristo. Todavia, "conservadorismo" não é um termo da filosofia de Burke, tampouco fora um termo que o autor irlandês usou para se autodefinir, mas, é a partir de Burke que a palavra entra no vocabulário político como forma de descrever a mentalidade e conduta de homens que se colocavam em defesa da tradição e do melhor que a velha ordem -- que sucumbia nas incursões da Revolução Francesa -- nos legou. Em suas Reflexões sobre a Revolução na França, Burke,
resume seu conservadorismo nos seguintes termos: “Temos verdadeiros corações de
carne e sangue batendo em nosso peito. Tememos a Deus. Erguemos os olhos com
veneração aos reis, com afeição aos parlamentos, com submissão aos magistrados,
com reverência aos padres e com respeito à nobreza”. Obviamente, neste trecho
não está todo o programa conservador apresentado por Burke, mas acredito que
estas palavras bem servem para nos introduzir à doutrina deste sujeito, a quem
se reconhece a paternidade do conservadorismo político. Embora, admitamos que,
tecer, mesmo que breves, considerações sobre a doutrina de Burke é uma tarefa
um tanto quanto ingrata, tanto pela profundidade de sua obra quanto pelo nosso
limitado conhecimento dela, no entanto, é possível encontrar pontos centrais de
sua tese, que podem nos direcionar numa introdução a sua doutrina.
Antes de Burke, o
conservadorismo era reconhecido como mera expressão do temperamento humano. Foi
isso, que Hugh de Cecil apresentou em seu Conservatism.
Mas o que o Lord de Cecil apresentava era o que chamamos “conservadorismo
primitivo”, ou simplesmente “reacionarismo”; o mesmo tipo de conservadorismo
que apresenta Michael Oakeshott quando diz: “Ser conservador é preferir o
familiar ao desconhecido, o tentado ao não tentado, o fato ao mistério, o real
ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao
superabundante, o conveniente ao perfeito, a felicidade presente à utópica”.
Burke se distingue radicalmente destes em sua doutrina.
A
mudança na visão de Burke
Uma
interrogação muito comum preocupa a mente conservadora quando esta se vê na
iminência de empreender algum tipo de mudança: “Será que a perda compensa o
ganho?” Seja este um reacionário ou um conservador moderno, ambos são
fortemente constrangidos por tal interrogação. E entre o certo e o duvidoso, as
pessoas comuns, ficam com o primeiro. Mudar sempre implica em deixar algo para
trás; e tal perda, sempre, parece nociva a um reacionário.
O
conservadorismo de Burke confronta esta questão emblemática de outra forma.
Para ele, a mudança não só é benéfica como necessária para a própria
perpetuidade do que se quer conservar. É desta forma que se processa a dinâmica
social. Em outras palavras, progresso e conservadorismo não são realidades
antagônicas, são antes coisas complementares. A compreensão burkiana da relação entre
conservadorismo e progresso se dá pelo modo que o pensador irlandês compreendia
a sociedade, ou seja, como “uma associação entre os vivos, os mortos e os que
estão por nascer” (1997, p. 116) De modo, que passado, presente, e futuro,
sempre, devem andar juntos sem se deterem ou se desapegarem mesmo seguindo
cursos diferentes.
A religião como fundamento da sociedade
Um
outro princípio que se apresenta na obra de Burke versa sobre a necessidade da
religião para a vida e a ordem social. Escreve ele: “A religião é a base da
sociedade civil e a fonte de todo o bem e de toda a felicidade” (BURKE, 1997, p.
112). Por certo, desde os tempos clássicos, os maiores pensadores da humanidade
confirmam esta afirmação de Burke, e até entre os inimigos da religião,
encontramos um apoio a esta tese.
Platão
assim dizia em um tempo muito remoto: “A religião tem sido considerada por
todos os homens e em todos os tempos como o fundamento indestrutível das
sociedades humanas” (Platão, Leis, Livro X) E tal afirmação é comum a
todos os expoentes do pensamento conservador.
A inviolabilidade da propriedade
privada
Em
Burke, apresenta-se uma defesa enfática da inviolabilidade da propriedade
privada, que é uma crença comum a todos os conservadores. A defesa da
inviolabilidade do direito à propriedade privada e sua transmissão através de
direito hereditário, é um dos pontos que distanciam radicalmente o
conservadorismo de seus antípodas: o socialismo e o libertarianismo. “O poder
de perpetuar nossa propriedade em nossas famílias é um de seus elementos mais
valiosos e interessantes, que tende, sobretudo, à perpetuação da nossa
sociedade.” Por certo, há um desequilíbrio social incalculável onde quer que se
tente abolir o direito a propriedade privada. Nunca se viu região onde isso
acontecesse, sem junto com ele, se procederem também, tragédias incomensuráveis.
Deste modo, observamos que a pretensão de abolir o direito a propriedade
privada é uma das características de todos os tiranos.
A
Monarquia
Uma
das características fundamentais do conservadorismo britânico é a profunda
desconfiança à democracia. A este respeito, escreveu Burke: “Uma perfeita
democracia é a coisa mais vergonhosa do mundo” (BURKE, 1997, p. 114) Esta desconfiança parece ser um
dos aspectos mais comuns do conservadorismo, e um dos motivos para tal
desconfiança, observa o autor irlandês, é que “a vontade dos muitos e seus
interesses diferem bastante e frequentemente; e a diferença será enorme quando
fizerem esta escolha”. Burke ainda observa que “nada existe entre o despotismo
de um monarca e o despotismo da multidão” (Ibidem,
p. 132) e isto porque ele acreditava que “em uma democracia, a maioria dos
cidadãos é capaz de exercer, sobre a minoria, a mais cruel das opressões (Ibidem, p. 135) Uma corrupção da ordem
política que viria a receber em Stuart Mill e Tocqueville o nome de “Ditadura
da Maioria” (cf. A democracia na América, Livro I: Leis e Costumes,
Livro II: Sentimentos e opiniões; Considerações sobre o governo
representativo, I)
A
desigualdade natural entre os homens
Uma
das primeiras observações de Burke sobre a sociedade, veio a ser confirmada nos
tempos presente através de um número inaudito de provas. “Em todas as
sociedades compostas de diferentes classes de cidadãos é necessário que algumas
delas se sobreponham as outras”. E um dos exemplos que me utilizarei para provar
este detalhe, retiro de uma tese antropológica que vê no instinto competitivo
do homem a resposta para tal desigualdade.
Por certo, o homem não
buscou em primeiro lugar dominar e acumular, e em torno disso desenvolver sua
personalidade e organização social, buscou, antes de tudo, divertir-se e
brincar! E esta tese que se encontra na obra de Jan Huizinga, intitulada homo ludens. Segundo Huizinga, a inclinação
por diversão no homem, é natural e o acompanhará em cada momento de sua
existência e terá efeitos sociais mais dinâmicos do que a atividade laboral.
Isto porque o prazer ainda possui certa primazia sobre o dever. E neste sentido
ouso dizer que é mais fácil as fábricas e os escritórios e fábricas serem
abandonados do que os cassinos e os estádios de futebol. Os primeiros se ocupam
por dever, o segundo por prazer. O desejo de divertir-se é um traço comum e
dominante da natureza humana e até mais estimulante que qualquer outro
instinto. Por isso, muitos governantes, utilizaram as competições como poderosa
válvula de escape nos tempos de revolta e insatisfação popular. Poucas coisas
pareciam entreter tanto o povo e acalmar seus ânimos quanto as competições e os
jogos. E esta prática se perpetua na história, e não há governante que não faça
uso delas.
O
jogo, portanto, pode ter exercido papel primordial no desenvolvimento da
civilização, e o instinto que o move, a competitividade permanece inalterável
ao longo da história. É do competivismo lúdico que se originam as outras formas
de competitividades sociais, como a econômica. Por esta razão tão claramente
exposta na natureza humana, a utopia de uma sociedade igualitária e sem classes
sempre será uma ilusão. Nenhum homem se conformará em estar disposto em
igualdade absoluta com os demais. O instinto competitivo arraigado em seu ser,
sempre irá lhe impelir a superar seus semelhantes em algo. E esta
competitividade sempre irá colocar os homens em posições desiguais em qualquer
área, gerando sempre entre eles uma desigualdade de talentos e posições sociais.
As próprias experiências
revolucionarias na História provam esta tese. Onde quer se instaurou um regime
revolucionário, viu-se ascenderem classes ainda mais opressoras ao poder e uma
desigualdade amis perniciosa que a anterior. Isto porque a desigualdade não é
um dado alterável da vida social, mas um aspecto imodificável da ordem.
O
princípio da legitima defesa
Burke,
reconhece o direito a autodefesa como “a primeira lei da natureza” (BURKE,
1997, p. 89) E este direito à defesa se deve ao fato de todo conservador estar
consciente do perigo a que todos estão vulneráveis, por conta da inerente
maldade humana. Por isso, ele acredita que é legitimo o aparato coercitivo do
Estado na missão de conter o ímpeto dos maus. Neste sentido, compreende-se
certos direitos e instituições legais para garantir a segurança de todos, como:
a pena de morte, o porte de armas para os cidadãos, e leis mais severas para se
inibir a criminalidade.
“A
sociedade exige não apenas que as paixões dos indivíduos sejam dominadas, mas
também que, mesmo na massa e no conjunto, bem como nos indivíduos, as
inclinações dos homens sejam frequentemente contrariadas, sua vontade
controlada e suas paixões reprimidas” (Ibidem,
p. 89), dizia Burke. Uma posição que difere radicalmente da defendida pelos
revolucionários, que se recusam a ver a maldade nas pessoas, mas insistem em
proclamar a maldade das instituições e na própria ordem social.