sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

O conservadorismo de Edmund Burke


Edmund Bure

                     Em Edmund Burke encontra-se a “substância filosófica” – como diz Nisbet – do conservadorismo. O autor irlandês é considerado o maior pensador conservador de todos os tempos, de modo que, falar do conservadorismo sem ler Burke, é como falar do cristianismo e ignorar a Cristo. Todavia, "conservadorismo" não é um termo da filosofia de Burke, tampouco fora um termo que o autor irlandês usou para se autodefinir, mas, é a partir de Burke que a palavra entra no vocabulário político como forma de descrever a mentalidade e conduta de homens que se colocavam em defesa da tradição e do melhor que a velha ordem -- que sucumbia nas incursões da Revolução Francesa -- nos legou. Em suas Reflexões sobre a Revolução na França, Burke, resume seu conservadorismo nos seguintes termos: “Temos verdadeiros corações de carne e sangue batendo em nosso peito. Tememos a Deus. Erguemos os olhos com veneração aos reis, com afeição aos parlamentos, com submissão aos magistrados, com reverência aos padres e com respeito à nobreza”. Obviamente, neste trecho não está todo o programa conservador apresentado por Burke, mas acredito que estas palavras bem servem para nos introduzir à doutrina deste sujeito, a quem se reconhece a paternidade do conservadorismo político. Embora, admitamos que, tecer, mesmo que breves, considerações sobre a doutrina de Burke é uma tarefa um tanto quanto ingrata, tanto pela profundidade de sua obra quanto pelo nosso limitado conhecimento dela, no entanto, é possível encontrar pontos centrais de sua tese, que podem nos direcionar numa introdução a sua doutrina.
                     Antes de Burke, o conservadorismo era reconhecido como mera expressão do temperamento humano. Foi isso, que Hugh de Cecil apresentou em seu Conservatism. Mas o que o Lord de Cecil apresentava era o que chamamos “conservadorismo primitivo”, ou simplesmente “reacionarismo”; o mesmo tipo de conservadorismo que apresenta Michael Oakeshott quando diz: “Ser conservador é preferir o familiar ao desconhecido, o tentado ao não tentado, o fato ao mistério, o real ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao superabundante, o conveniente ao perfeito, a felicidade presente à utópica”. Burke se distingue radicalmente destes em sua doutrina.

A mudança na visão de Burke
                     Uma interrogação muito comum preocupa a mente conservadora quando esta se vê na iminência de empreender algum tipo de mudança: “Será que a perda compensa o ganho?” Seja este um reacionário ou um conservador moderno, ambos são fortemente constrangidos por tal interrogação. E entre o certo e o duvidoso, as pessoas comuns, ficam com o primeiro. Mudar sempre implica em deixar algo para trás; e tal perda, sempre, parece nociva a um reacionário. 
                     O conservadorismo de Burke confronta esta questão emblemática de outra forma. Para ele, a mudança não só é benéfica como necessária para a própria perpetuidade do que se quer conservar. É desta forma que se processa a dinâmica social. Em outras palavras, progresso e conservadorismo não são realidades antagônicas, são antes coisas complementares. A compreensão burkiana da relação entre conservadorismo e progresso se dá pelo modo que o pensador irlandês compreendia a sociedade, ou seja, como “uma associação entre os vivos, os mortos e os que estão por nascer” (1997, p. 116) De modo, que passado, presente, e futuro, sempre, devem andar juntos sem se deterem ou se desapegarem mesmo seguindo cursos diferentes.

A religião como fundamento da sociedade

                     Um outro princípio que se apresenta na obra de Burke versa sobre a necessidade da religião para a vida e a ordem social. Escreve ele: “A religião é a base da sociedade civil e a fonte de todo o bem e de toda a felicidade” (BURKE, 1997, p. 112). Por certo, desde os tempos clássicos, os maiores pensadores da humanidade confirmam esta afirmação de Burke, e até entre os inimigos da religião, encontramos um apoio a esta tese.
                     Platão assim dizia em um tempo muito remoto: “A religião tem sido considerada por todos os homens e em todos os tempos como o fundamento indestrutível das sociedades humanas” (Platão, Leis, Livro X) E tal afirmação é comum a todos os expoentes do pensamento conservador.

A inviolabilidade da propriedade privada

                     Em Burke, apresenta-se uma defesa enfática da inviolabilidade da propriedade privada, que é uma crença comum a todos os conservadores. A defesa da inviolabilidade do direito à propriedade privada e sua transmissão através de direito hereditário, é um dos pontos que distanciam radicalmente o conservadorismo de seus antípodas: o socialismo e o libertarianismo. “O poder de perpetuar nossa propriedade em nossas famílias é um de seus elementos mais valiosos e interessantes, que tende, sobretudo, à perpetuação da nossa sociedade.” Por certo, há um desequilíbrio social incalculável onde quer que se tente abolir o direito a propriedade privada. Nunca se viu região onde isso acontecesse, sem junto com ele, se procederem também, tragédias incomensuráveis. Deste modo, observamos que a pretensão de abolir o direito a propriedade privada é uma das características de todos os tiranos.

A Monarquia

                     Uma das características fundamentais do conservadorismo britânico é a profunda desconfiança à democracia. A este respeito, escreveu Burke: “Uma perfeita democracia é a coisa mais vergonhosa do mundo” (BURKE, 1997, p. 114) Esta desconfiança parece ser um dos aspectos mais comuns do conservadorismo, e um dos motivos para tal desconfiança, observa o autor irlandês, é que “a vontade dos muitos e seus interesses diferem bastante e frequentemente; e a diferença será enorme quando fizerem esta escolha”. Burke ainda observa que “nada existe entre o despotismo de um monarca e o despotismo da multidão” (Ibidem, p. 132) e isto porque ele acreditava que “em uma democracia, a maioria dos cidadãos é capaz de exercer, sobre a minoria, a mais cruel das opressões (Ibidem, p. 135) Uma corrupção da ordem política que viria a receber em Stuart Mill e Tocqueville o nome de “Ditadura da Maioria” (cf. A democracia na América, Livro I: Leis e Costumes, Livro II: Sentimentos e opiniões; Considerações sobre o governo representativo, I)

A desigualdade natural entre os homens

                     Uma das primeiras observações de Burke sobre a sociedade, veio a ser confirmada nos tempos presente através de um número inaudito de provas. “Em todas as sociedades compostas de diferentes classes de cidadãos é necessário que algumas delas se sobreponham as outras”. E um dos exemplos que me utilizarei para provar este detalhe, retiro de uma tese antropológica que vê no instinto competitivo do homem a resposta para tal desigualdade.
                     Por certo, o homem não buscou em primeiro lugar dominar e acumular, e em torno disso desenvolver sua personalidade e organização social, buscou, antes de tudo, divertir-se e brincar! E esta tese que se encontra na obra de Jan Huizinga, intitulada homo ludens. Segundo Huizinga, a inclinação por diversão no homem, é natural e o acompanhará em cada momento de sua existência e terá efeitos sociais mais dinâmicos do que a atividade laboral. Isto porque o prazer ainda possui certa primazia sobre o dever. E neste sentido ouso dizer que é mais fácil as fábricas e os escritórios e fábricas serem abandonados do que os cassinos e os estádios de futebol. Os primeiros se ocupam por dever, o segundo por prazer. O desejo de divertir-se é um traço comum e dominante da natureza humana e até mais estimulante que qualquer outro instinto. Por isso, muitos governantes, utilizaram as competições como poderosa válvula de escape nos tempos de revolta e insatisfação popular. Poucas coisas pareciam entreter tanto o povo e acalmar seus ânimos quanto as competições e os jogos. E esta prática se perpetua na história, e não há governante que não faça uso delas. 
                      O jogo, portanto, pode ter exercido papel primordial no desenvolvimento da civilização, e o instinto que o move, a competitividade permanece inalterável ao longo da história. É do competivismo lúdico que se originam as outras formas de competitividades sociais, como a econômica. Por esta razão tão claramente exposta na natureza humana, a utopia de uma sociedade igualitária e sem classes sempre será uma ilusão. Nenhum homem se conformará em estar disposto em igualdade absoluta com os demais. O instinto competitivo arraigado em seu ser, sempre irá lhe impelir a superar seus semelhantes em algo. E esta competitividade sempre irá colocar os homens em posições desiguais em qualquer área, gerando sempre entre eles uma desigualdade de talentos e posições sociais. As próprias experiências revolucionarias na História provam esta tese. Onde quer se instaurou um regime revolucionário, viu-se ascenderem classes ainda mais opressoras ao poder e uma desigualdade amis perniciosa que a anterior. Isto porque a desigualdade não é um dado alterável da vida social, mas um aspecto imodificável da ordem.

O princípio da legitima defesa

                     Burke, reconhece o direito a autodefesa como “a primeira lei da natureza” (BURKE, 1997, p. 89) E este direito à defesa se deve ao fato de todo conservador estar consciente do perigo a que todos estão vulneráveis, por conta da inerente maldade humana. Por isso, ele acredita que é legitimo o aparato coercitivo do Estado na missão de conter o ímpeto dos maus. Neste sentido, compreende-se certos direitos e instituições legais para garantir a segurança de todos, como: a pena de morte, o porte de armas para os cidadãos, e leis mais severas para se inibir a criminalidade.
                     “A sociedade exige não apenas que as paixões dos indivíduos sejam dominadas, mas também que, mesmo na massa e no conjunto, bem como nos indivíduos, as inclinações dos homens sejam frequentemente contrariadas, sua vontade controlada e suas paixões reprimidas” (Ibidem, p. 89), dizia Burke. Uma posição que difere radicalmente da defendida pelos revolucionários, que se recusam a ver a maldade nas pessoas, mas insistem em proclamar a maldade das instituições e na própria ordem social. 





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